Donna é uma cadela rothweiller preta, de pelo lustroso e andar felino. Bonita, carinhosa, é a preferida do dono da casa. Só ela passeia de automóvel e é escolhida para dormir no interior da residência.
Embora tenha o seu lugar garantido, Donna receia qualquer concorrência e não admite presenças que lhe possam empanar o brilho. Assim, quando Akita, a cadela dinamarquesa, se aproxima para receber um carinho ou um quitute na ponta do palito, logo a primeira a empurra com o focinho, sorrateira. Caso insista, Donna tenta se colocar entre a companheira e o alvo, retorcendo o corpo, num meneio disfarçado.
Paciente, conhecedora do seu poder, geralmente Akita não se perturba e finge ignorar o intuito da ciumenta. Algumas vezes, ela se retira e busca nova distração; em outras, retesa o corpo e garante o seu posto, obrigando a adversária a recuar. Sentindo-se descoberta, a outra muda de atitude e, procurando agradar, lambe a cara que desejava morder. Sapiente ou talvez mais madura, Akita recebe a pretensa homenagem. Por precaução, porém, firma as patas e não cede o lugar conquistado.
Em diferentes momentos, acostumada a ser o foco das atenções, Donna não suporta quando a outra suscita alguma admiração, pressentida no tom da voz. E logo se acerca, enroscando-se nas pernas dos donos ou pulando ao peito, insistente.
Observando-as, pode-se prever o dia em que a paciência acabe e Akita resolva mostrar à Donna toda a sua força, na luta em que ela certamente vencerá. Seria tão mais simples, se cada uma aceitasse o seu papel e ocupasse o seu espaço, sem medo da concorrência. No mundo há lugar para as duas, por certo. Mas os cães com facilidade se sentem ameaçados e prcisam assegurar o seu espaço.
Depois, à noite, elas dormem enrodilhadas, uma descansando a cabeça sobre a outra, disputando um pedaço de tapete velho, um corpo aquecido ao contato do outro. Unidas pelo frio e a intempérie, mas inimigas no sucesso e na fartura. Quando as encontro nessa posição, não sei por que, tenho a amarga impressão de presenciar uma cena mil vezes repetida.
No entanto, os olhos doces de Donna garantem que ela não é má e se envergonha de ser traiçoeira; falam os de Akita da sua compreensão e confiança em que o tempo tudo acertará. Sem falsas expectativas, costuma-se manter distantes os pratos com ração, para cada uma ter o seu quinhão garantido e não ser essa a causa de se engalfinharem. Embora eu saiba que os cães não necessitem razões para o confronto.
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