Algumas datas, como o Natal, a Páscoa e o nosso aniversário, têm o poder de cutucar os sentimentos. Mesmo quando há um acúmulo de boas lembranças, essas datas contém uma nota de nostalgia pela pureza perdida e pelos atores que deixaram de participar do nosso filme.
Assim ocorre com o Dia das Mães. Neste tempo de globalização e de presentes estereotipados, em que a grande dúvida parece ser o modelo do celular a ofertar, voltam à imaginação outras comemorações, vivenciadas em épocas mais despretensiosas.
Na nossa casa, a hora do almoço era a escolhida para as homenagens à “rainha do lar”, como então as mães eram consideradas. Obedecendo à ordem combinada, cada um dos sete filhos, perfilado junto à mesa de refeições, apresentava o que havia preparado com antecedência. Alguns declamavam poesias alheias, escolhidas com muito critério, outros se esmeravam nos versinhos com rimas óbvias ou liam os seus próprios textos, rabiscados em letras acanhadas, com lápis preto. As demonstrações de carinho e o esforço percebido desencadeavam lágrimas de emoção na homenageada, que recolhia os papeizinhos garatujados e depois mostrava às amigas, deixando-nos envergonhados, mas cheios de razão.
Com o correr do tempo, fomos ficando mais críticos conosco mesmos e os presentes foram mudando. Já não nos achávamos muito bons em versos, pareciam ridículos os grandes corações trespassados por flechas, por isso, reunindo o resultado das poupanças, passamos a comprar um presente em nome de todos, em geral sugerido pela irmã maior, que conhecia as preferências e necessidades. Muito mais tarde, cada um se achou em condições de comprar o seu próprio presente e, embora todos se esmerassem, foi quando, sem desconfiar, perdemos a inocência.
A vida nos levou de roldão e, aos trancos e barrancos, fomos nos fazendo gente. Um dia, me tornei mãe e, nessa difícil aprendizagem, refiz os meus passos, um por um, em busca da imagem conhecida. Voltaram à mente retalhos de vivências, carinhos, reprimendas, aparentes injustiças, incompreensões, entremeadas com gestos de apoio e altruísmo. Como num passe de mágica, tudo se encaixou e foi justificado.
Repeti, com paciência e esmero, as lições aprendidas, desdobrando-me em amor e cuidados, por ter a experiência me ensinado que os erros do percurso serão compreendidos,se atenuados pelo desejo de acertar. Entendi o valor das declarações de amor rabiscadas em papeizinhos de limpeza duvidosa, dos beijos sugeridos pelos lábios pintados de vermelho em folhas de papel ofício, dos corações dilacerados por flechas, a pingarem sangue, simbolizando o sofrimento materno. Preferi os recados ingênuos, repletos de autêntico carinho, aos discursos mais elaborados. Valorizei cada flor de cabo quebrado que coloquei na lapela.
Por isso, se pudesse voltar no tempo, novamente eu me perfilaria junto à comprida mesa da sala de jantar e, sem precisar puxar do bolso o papel preparado, gostaria de falar à mamãe as coisas lindas e verdadeiras que não cheguei a lhe dizer. Mas, se me faltasse o poder da oratória, hoje sei que não teria a menor importância, pois o melhor presente se dá no dia-a-dia, acompanhado do abraço apertado e sincero.
2 comentários:
Ótima crônica Marta, como sempre teus textos são claros, simples e poéticos. Parabéns
Bravo!!!
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