18 de mai. de 2006

Pensar leva tempo

Colocada, de forma despretensiosa, no meio do artigo, a frase chamou a atenção: “Pensar leva tempo”. Causou-me a sensação gostosa de conforto, acolhimento e compreensão. Similar a da criança que chega esbaforida, estropiada, e se aconchega junto ao quente seio da mãe, na busca inconsciente da recuperação.

Pensamos: “Que bom, não estou sozinho”, quando nos identificamos com algo que outro escreveu ou falou. Como também sente a criança, ao perceber o abraço protetor. Depois, novamente sairá correndo, entrará na roda, outra vez será empurrada e machucada, mas se saberá forte e capaz de tudo enfrentar: ela é compreendida.

Como a criança, senti-me revigorada, desejosa de aprofundar a sensação. Abandonei o artigo pelo meio, detive-me na frase que me trouxe à tona, ao justificar a dificuldade de concentração.

Poderia acrescentar que, além de tempo, o ato de pensar necessita de recolhimento e silêncio. No tumulto do dia-a-dia, somos atropelados, a todo instante, por exigências de decisões; inúmeras vezes somos obrigados a resolver às pressas, sem muita certeza sobre a melhor resposta. Em algumas, quando nos arrependemos, é tarde demais. Por isso é importante buscar o tempo necessário, para não nos deixarmos levar de roldão, sugestionados pelas opiniões alheias.

Às vezes, brinco, desejando me justificar _ brinco, viu? – que, com dois neurônios e um sempre em férias, preciso fazer uma coisa de cada vez, acabar a primeira para começar a segunda. Somente o silêncio e a reclusão me proporcionam o discernimento necessário à resolução de qualquer dilema. Alguns conseguem produzir com a televisão ligada, o som em alto volume ou numa sala cheia de gente conversando e trocando idéias. Sorte sua, pois outros, como eu, se sentem tolhidos em qualquer criação, quando se sabem necessários para outra tarefa ou pelo simples fato de alguém circular à volta, buscando atenção.

Como esse estado de paz e recolhimento se tornou quase inexistente, no mundo atual, repleto das mais estranhas solicitações, precisamos encontrar maneiras para contemporizar, inclusive para não nos transformarmos em seres aborrecidos ou inconformados. Sentindo essa necessidade, cada pessoa busca a sua fórmula. Alguns se refugiam nas horas noturnas, quando o telefone se cala e a casa dorme; outros preferem as madrugadas ou descobrem um recanto silencioso em meio ao tumulto; alguns saem a caminhar, para colocar as idéias em ordem; os homens do campo cavalgam, solitários; os pescadores atiram a linha na água, menos para pegar o peixe que para se desvencilhar das suas amolações. Utilizo todos esses recursos, em diferentes momentos. Em casos extremos, prefiro deixar a cidade, seguir a estrada, olhar verdes campos, casas de longe em longe. As idéias fluem, embaladas pelo movimento do automóvel que percorre o caminho costumeiro. Aqui noto a lavoura de arroz bem cuidada, ali a soja se ressente da estiagem, alguém trocou a porteira da estância, outro começou a construir um galpão de alvenaria _ as paisagens conhecidas me tranqüilizam.

Ao longe, vejo a casa entre as árvores, os bouganvilles em flor, debruçados sobre a cerca de madeira. O mundo entra em órbita, quando ultrapasso o portão. Pensar leva tempo e pede paz. Pra minha sorte, sei onde encontrá-la.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida Amiga Marta!

Realmente pensar leva muito tempo, quando se deseja colocar no papel algo bom para as pessoas, ajudando-as a crescer.
Este escrito, como os damais, são de uma clareza, bom humor, incentivo e muito amor.
Parabéns!


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