19 de set. de 2006

A costa brasileira

Próximo ao arquipélago de Fernando de Noronha, o comandante do navio avisou que alteraria um pouco a rota, para passarmos a um quilometro das ilhas, podendo admirá-las bem. Assim que foi feito o comunicado, pelo rádio de bordo, todos os passageiros se distribuíram pelos diversos conveses, armados de binóculos. Vi a grande torre do aerodínamo, o casario, mas não pude perceber movimento de pessoas ou dos bugs, meio de transporte local. O navio contornou com calma o arquipélago, possibilitando a visão da vegetação e das praias, e seguiu seu caminho.

Na chegada a Recife, primeiro porto abordado na costa brasileira, o navio é recepcionado por um grupo de dançarinas de frevo. Ao descer a escadinha, finjo não ouvir a observação do senhor português, à minha frente: ”Já estão as brasileiras a mostrar a bunda”. Sinto ser esta a imagem que os próprios brasileiros insistem em passar do Brasil. Nos folhetos de propaganda turística, são mulheres quase nuas, sol, mar e carnaval, apenas.

No ônibus em que fazemos o roteiro turístico, o guia pensa agradar aos portugueses e ingleses, falando mal do país que visitam. Lembro os jovens guias de Mindelo, no Cabo Verde, fazendo enorme esforço para apresentar de forma interessante o seu país pobre e sofrido, pelo qual são apaixonados.

Decidida a não me aborrecer, converso com o casal sentado ao lado. Contam que pretendem passar o final de semana em São Paulo, farão uma surpresa aos sobrinhos, que não sabem da sua chegada. Como são trinta e seis sobrinhos, de duas famílias diferentes, eles imaginam que terão dois dias de festa. Tento convencê-los a dar um telefonema, avisando com antecedência, mas rejeitam a idéia, entusiasmados com a surpresa. Seja o que Deus quiser!

O guia fala de diferenças sociais, analfabetismo _ e o estrangeiro comenta, em voz baixa, que veio aqui para se divertir, não para ouvir problemas.

Visitamos Olinda, primeira capital do Estado de Pernambuco, preservada pela UNESCO como patrimônio histórico e cultural da humanidade; depois a Cidade Velha de Recife, a Casa da Cultura, com as celas da antiga prisão transformadas em lojas de artesanato; passeamos pelas praias, conhecemos o shopping center e está na hora de voltar ao navio. Foi um rápido vislumbre da cidade, só pra ter a certeza de que devo voltar com calma.

Após mais um dia de navegação, chegamos a Salvador, capital do Estado da Bahia. Como não conhecemos a cidade, resolvemos participar da excursão. Mal entramos no ônibus, o guia também começa a falar mal do Brasil, lembrando todas as mazelas que possam interessar aos estrangeiros. Será orientação recebida? “Nocauteiem os turistas com todas as péssimas informações que conseguirem lembrar ou inventar, para que eles as levem para seu país natal e não apareça mais ninguém por aqui”.
Visitamos o Mercado Modelo e voltamos ao ônibus. Quando o guia recomeça a sua lenga-lenga, agora mais à vontade, já falando inverdades, desligamo-nos da excursão, preferindo continuar por conta própria. Quando me afasto, ouço-o afirmar que, no Brasil, só os muito ricos podem freqüentar os shopping centers.

Como nos dirigimos para lá, fico mais tranqüila, pois os estrangeiros compreenderão o absurdo da afirmativa, ao observar a variedade de pessoas a lotarem, principalmente, as praças de alimentação. Exatamente como vi em Lisboa e Sevilha.

Após um dia de navegação contínua, chegamos a Búzios. O navio libera as grandes lanchas responsáveis pelo transporte até a praia. Senhas foram distribuídas aos que não iriam participar das excursões e todos aguardamos com calma a ordem de chamada. O desembarque é rápido e as lanchas têm saídas programadas a cada trinta minutos.

Passeamos pelas ruas pitorescas, compro maiôs coloridos, converso com a senhora argentina, dona da boutique, que me diz ter encontrado, neste país, a felicidade para ela e seus filhos. Gostaria que os guias turísticos de Recife e Salvador pudessem ouvi-la. Depois, num táxi, fazemos o turismo pela ilha, conhecendo as diversas praias, e logo voltamos a bordo.

Subo ao restaurante 24 horas, sirvo-me de café e sanduíches. Escrevo as minhas impressões, temerosa de que a memória me pregue alguma peça, se não me precaver. Ouço fragmentos de conversa, percebo que alguns lamentam o término da viagem e outros _ poucos _ dizem contar o tempo para o desembarque. Inclusive, descubro que os mais aflitos desceram no Recife. Como falei no começo, é preciso um certo perfil para apreciar um cruzeiro tão longo. A companhia, principalmente, é importante. Senhoras se queixam mutuamente das companheiras, casais desacostumados a conviverem se estranham. Deduzo que deve ser um bom teste para noivos.

Quando retornamos ao camarote, encontramos sobre a cama, como todas as noites, a decoração feita por Carmen, a gentil e eficiente camareira romena, utilizando as toalhas brancas e quaisquer outros objetos que lhe tenham despertado a atenção. Pode ser qualquer idéia:: um cachorrinho com nariz arrebitado e boné; uma flor, cujo botão é a caixinha colorida da touca de banho; um coelho com os meus óculos escuros ou o macaco suspenso no lustre. É divertido acender a luz e encontrar, junto ao folheto com a programação para o dia seguinte, a surpresa preparada por ela.

Ao se apresentar, no primeiro dia da viagem, ela nos disse entender o português, embora não soubesse falá-lo. Em cada conversação, pede que repitamos qualquer palavra desconhecida e depois a profere devagar, para gravar. Com o correr do tempo, noto que ela cada vez utiliza menos o idioma inglês. No momento de desembarcar, após os dezessete dias a bordo, ela falará um português fluente, para meu encantamento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Marta!
Combinamos , Alfredo e eu, primeiro conhecer nosso maravilhoso País, com suas mil diversidades, e então, depois nos aventurarmos pelo mundo, que já sabemos, por ti, lindo também!
Acho que deve ser um teste e tanto ficar junto, lado a lado, com uma pessoa, e saber se é regular, bom ou ótimo...

Beijos

Anônimo disse...

Marta
O guia 4 Rodas sobre o litoral do Brasil é excelente, com imagens obtidas via satélite.
Realmente, Recife é encantador pelas belezas, clima, etc.
Compramos um GPSMap 60CS da Garmin, ótimo pois é colorido e permite ver mapas estaduais e municipais e se comunica com o computador e com as imagens do Google Earth. Deve melhorar as anotações de quem viaja, ao permitir ir marcando os pontos interessantes.
Espero que tudo corra bem por aí.
Aqui tem feito uns dias lindos. Lá na fazenda (Jaguarão) está chovendo.
Bjs - Simeão e Dirce