O amigo ficou magoado com a minha observação. Falávamos de filhos, ele me contava que costumava desperta-los pela manhã, perguntei a razão de não os presentear com um despertador, respondeu que ignorariam o aviso e perderiam a primeira aula na faculdade.
_ Perderão uma ou duas vezes, depois aprenderão. A gente só aprende “quebrando a cara” _ falei, mais para mim mesma, lembrando as muitas ocasiões em que fui superprotetora. Mas a aparente tranqüilidade do tom, ao invés de alertá-lo para a dureza das minhas experiências, pareceu-lhe um deboche com o seu extremado amor paterno. Então eu queria que os seus filhos se dessem mal?
Ao perceber que o magoara, por inábil, deixei morrer o assunto; tentativas de conserto costumam aumentar o rombo. Talvez tenha me expressado mal, dando a impressão de que fico esfregando as mãos de alegria, sempre que o menino fica resfriado, por ignorar o conselho de levar o casaco, que a temperatura mudou. Ou quando a menina se queixa de dor na barriga, com a boca ainda lambuzada do excesso de chocolate.
A verdade é que a experiência alheia vale muito pouco, conselhos menos ainda. Os pais podem ficar por perto, algumas vezes atenuar a queda, em outras ajudarem a limpar os estragos, mas só aprendemos pelos nossos próprios tropeços e trombadas.
O filósofo Lou Marinoff diz que “os pais têm o dever de preparar os filhos, ajudando-os a viver com integridade.” Cumprido esse dever, a persistência em continuar transmitindo ensinamentos pode se transformar em intromissão, segundo o conselheiro filosófico.
Foi a palavra “intromissão” que bateu redondinha. Quando tentamos proteger em demasia os filhos, será que não estamos nos intrometendo em suas vidas, suas escolhas? Os jovens circulam em um mundo cultural diverso do conhecido pelos pais. Alguns valores devem ser preservados, outros se tornaram fora de moda. Foi bom, ruim? O tempo dirá, mas a verdade é que essa nova geração, ainda que atordoada, procurando seu rumo, é menos hipócrita que as anteriores.
“Você pode dar-lhes amor, mas não pensamentos, pois eles têm os seus próprios pensamentos”, escreveu o poeta Kalil Gibran, logo após dizer que “Os seus filhos não são seus filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da Vida por si mesma.” Lições que os pais engolem com dificuldade, como se obrigados a ingerir colheradas de óleo de rícino.
Perder a hora da aula, porque não ouviu o despertador; repetir o ano, quando não estudou o suficiente ou escolheu mal os colegas de estudo; sair mal na primeira entrevista para emprego, por se apresentar de bermudas e camisetas _ são aprendizagens. Os pais ficam na retaguarda, torcendo para perceber o limite entre a proteção necessária e a intromissão. Da mesma forma torcendo para eles mesmos não errarem o passo e se espatifarem no chão. Porque adultos também vivem “quebrando a cara”, descobrindo que fizemos tudo errado, não era nada disso, quando vou aprender?
Mas se caminharmos somente dentro da trilha, não nos aventurarmos por novos caminhos, a mesmice se encarregará de fechar a nossa estrada, com seus galhos sufocantes.
Por isso o meu amigo me perdoe: “quebrar a cara” é bom e faz crescer.
2 comentários:
Marta!
Minha ifância e juventude foi muito feliz, porque meus pais, me davam noções do certo e do errado e depois deixavam que eu escolhesse o que melhor me servia.
Assim acontece até hoje, comigo. Tenho restrições,para viver bem.Sei o que é certo e o que é errado, mas se fizer bobagem, quebro a cara!
Beijocas
Marta!
Aproveitando algo mais que quero dizer, preciso retificar a palavra que saiu mal - o certo é infância!
Sobre o tema proposto, também acredito que depende muito de cada um: uns gostam de ser orientados, precisam até, pode-se dizer, enquanto outros, necessitam de quebrar a cara para poderem ser alguém na vida!
Beijos
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