20 de jan. de 2007

Retorno

Embebi meus olhos no verde dos campos. Minha alma campeira se encheu de luz, embriagada das cores e dos sons dos pampas.

Balançam os arbustos do jardim, agitados pelo vento suave que espantou o calor, no fim da tarde de verão. O guarda-sol agita as abas amarelas, também disposto a externar a sua alegria. Pássaros cantam, um ou outro gorjeia, quatro cardeais de crista vermelha e peito branco procuram alimento na grama crescida.

Os galhos do bougainville cresceram além da cerca de madeira. Precisarão ser podados, para que nada se perca da paisagem gratuita. A casa foi construída no plano mais alto, com a intenção de que o olhar se estenda pelo horizonte sem fronteiras, mas os arbustos plantados por conta do paisagismo sempre crescem mais que o previsto. Até os três ciprestes próximos à piscina, comprados como anões, ignoraram as suas características e se foram rumo ao céu. Sentimos cortar as copas, mas limites precisam ser respeitados, e aqui a prioridade é olhar o infinito.

A piscina tem o fundo azul e a água é transparente. Sinto falta do lagarto que fugia para baixo da borda, quando ouvia passos, aproveitando o espaço onde o terreno cedeu. Ao sentir a proximidade de estranhos, primeiro ele erguia a cabeça, prestava atenção, depois desaparecia rápido, num bater da cola perigosa. Era uma “piscina ecológica”, antes da reforma. Ano após ano, um lagarto ali morava, todos com o mesmo comportamento, exceto a fêmea que resolveu procriar, aproveitando a tranqüilidade propiciada pela ausência mais prolongada dos donos da casa. Quando ela aparecia, depois o filhote, ambos na maior tranqüilidade, era de morrer de rir a cara de espanto e incredulidade das visitas.

Agora, só à noite circulam raposas e zorrilhos, ignorados pelos cães, que talvez se achem muito importantes para implicar com tais intrusos, como fazia Max, o pastor alemão ciumento dos seus domínios.

O umbu não está enfeitado com as flores das orquídeas presas ao seu tronco por mãos cuidadosas, mas de vez em quando deixa cair um fruto açucarado, para alegria das vacas leiteiras. As orquídeas devem ter florido no outono, sem entender a falta do olhar maravilhado sobre elas.

No campo em frente, três potrancos se aproximam das mães. São da raça crioula, um é baio como uma das éguas, o outro zaino, o terceiro tordilho; nenhum tem a pelagem bonita da tobiana. Ah, agora ele se aproximou e foi possível perceber o engano: o terceiro não é eqüino, é um burrinho branco, desgarrado dos seus iguais, não sei por qual razão.

Lá em cima, no piquete junto aos bretes e ao banheiro do gado, os terneiros bubalinos pastam, refazendo-se da longa jornada recém empreendida, desde os campos da costa do arroio Piratini. Vários se esconderam no mato à beira d’água e ficaram muito quietos, na esperança de serem esquecidos, por isso amanhã terão que ser procurados novamente pelos campeiros.

Sem convite para a cerimônia de boas-vindas, surgem os problemas corriqueiros: “Faltou água na torneira da cozinha”, avisa a funcionária; “também não vai dar pra cortar a grama agora, faltou luz”, completa. Não é fácil a vida, no meio rural, onde o homem se torna responsável por todo e qualquer conforto. Também pela segurança da propriedade e dos que a habitam, lembra o telefonema, comunicando o assalto efetuado a outra fazenda, na noite anterior.

Mas, para que a realidade não atrapalhe a tranqüilidade aparente, até a Companhia de Eletricidade resolveu se comportar, tornando desnecessário ligar o gerador; logo volta a água, acionada a bomba elétrica. O problema da nova onda de assaltos às propriedades rurais será tratado na reunião do Sindicato Rural, informa um segundo telefonema.

Onde quer que estejamos, _ na praia, no campo ou na cidade _ problemas nos caem por cima, roubando a paz desejada. Hoje eles não conseguem perturbar a minha.

Os galhos da espirradeira balançam novamente as flores brancas, o bougainville agita os cachos rosados, os pássaros fazem seus diferentes trinados. É bom estar em casa. Voltei ao meu lugar, os verdes campos do Rio Grande.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Marta! Saudade de ti guria... Sobre " Retorno", realmente devemos dar valor e nos preocuparmos com o que realmente tem impostância. Bj, Cris

Anônimo disse...

Marta!
Por mais lugares que a gente visite, fantásticos, inesquecíveis, indescritíveis, nada se compara com nossa Terra, nosso Lar!
Beijos