24 de mai. de 2008

Sem medo de ser feliz

A amiga resolveu festejar a chegada dos sessenta anos com uma festa pra ninguém botar defeito. Até aí, tudo normal; pegou moda comemorar essa data, antes ignorada, na intenção de que os outros não se apercebessem. Constrangidas, as pessoas omitiam esse dado, sempre que possível.

A fuga era tão grande, que se transformou em anedota a história real de uma senhora que jamais dizia a idade; única ocasião, aliás, em que ela, possuidora de rígidos princípios morais, se permitia mentir. Em hipótese alguma, mostrava a carteira de identidade; certa vez, ao falar a imaginária data do seu nascimento a um funcionário público, aquele não pôde evitar a pergunta: “A senhora se deu conta de que, tendo nascido nessa data, teve o seu filho com seis anos”? Contam que, sem dar resposta, ela saiu porta a fora.

Por essas e outras, caso entrasse no mesmo recinto o único amigo conhecedor do segredo, ela se levantava e saía, para evitar qualquer indiscrição da parte dele.
Muito religiosa, costumava se confessar com freqüência. Quando, no confessionário, o padre perguntou a sua idade, obrigou-se a mentir, em plena confissão.

Hoje, se ainda vivesse, decerto ficaria escandalizada com a atitude de algumas mulheres, declarando a sua idade, sem o menor constrangimento. Mais que isso: comemorando os anos vividos.

Mas, voltando ao aniversário da amiga (se não tomar cuidado, esta história se enche de atalhos), ela resolveu festejar em grande estilo: local bem escolhido, linda decoração, comidas e bebidas excelentes, repertório musical impecável; tudo perfeito. Mas o melhor era a sua felicidade por estar se proporcionando esses momentos, junto ao marido, aos filhos e aos “amigos mais queridos”, referência que levou todos os presentes a estufarem o peito, subitamente transformados em pessoas especiais.

Contou que a festa era a sua forma de agradecer pelos amores, as amizades, as realizações pessoais e as profissionais. Depois, cantou. “Sem medo de ser feliz”, pegou o microfone e, desembaraçada, cantou em público, pela primeira vez na vida, realizando um velho desejo. A música escolhida não poderia ser mais apropriada: “Emoções”, de Roberto Carlos.

Olhei para o marido, pego de surpreso, a princípio estarrecido e temeroso, depois se tranqüilizando, passando a gostar, por fim acompanhando os outros nas palmas que marcavam o ritmo. Feliz por descobrir nova faceta na mulher amada.

Profissional competente, empresária de sucesso, a amiga acumula títulos e vitórias. Escondido em seu íntimo, guardava o sonho secreto. Permitir-se vivê-lo é aceitar a si mesma, despojar-se das máscaras, mostrar-se por inteiro.

Lembro que a frase “Cuidado com a mulher que diz a própria idade”, encontrada já não sei onde nem quando, causou-me forte impressão, ao ser lida. Porque compreendi que essa mulher também seria capaz de outras revoluções. Dona do seu destino, segura de si, dificilmente se deixaria impressionar pela opinião dos outros ou obedeceria a regras com que não concordasse; com certeza saberia lutar pelo que desejasse, sem aceitar rótulos inventados pelos inseguros ou mal-intencionados. Pessoas que não receiam obstáculos e criam oportunidades para alcançar o que desejam causam impacto aos outros, acostumados à falsa modéstia e à preguiça disfarçada sob outras desculpas.

Inúmeras pessoas têm festejado os sessenta, os setenta os oitenta e os noventa anos anos, numa aceitação bem-humorada do que a vida lhes proporcionou. O ato de comemorar significa aceitação de tudo o que se viveu, amou, sofreu, aprendeu. Pois, como cantou a minha amiga, “se sofri ou se sorri, o que importa é que emoções eu vivi”.

3 comentários:

david santos disse...

Olá, Marta!
Grande reportagem...
Bem, eu não tenho esse problema, porque nasci em Março e fui registado em Outubro. Mas não digo quantos anos após.
Parabéns.

Anônimo disse...

Querida Amiga!
Nunca tive problemas com a "idade"!Acho maravilhoso dizer que já vou fazer 70 anos e ouço mil elogios, mas mesmo que não os ouvisse ficaria gratificada da mesma maneira, por ter alcançado tantos anos...
Beijos e parabéns pela linda crônica.

contos&crônicas disse...

Continuam ótimas tuas crônicas, um retrato bem acurado do que ocorre, hoje, no mundo dos "idosos".
Um abraço.