9 de nov. de 2008

Puxão de orelhas

Certa vez, escrevi que nunca padecera de falta de inspiração, por retirá-la do cotidiano, das pequenas coisas de todos os dias. Mas, nada como um dia após o outro, para compreender que todas as nossas certezas precisam ser revisadas. Quem nunca descobriu que falou bobagem e o que ontem parecia certo hoje já não é?

Assumi o compromisso, com alguns jornais, de manter uma coluna semanal. A tarefa, que a princípio parecia fácil, algumas vezes se transforma em esforço árduo, briga contra os ponteiros do relógio e o vazio das idéias, a cabeça atulhada de outras preocupações, nenhuma idéia com força suficiente para quebrar a barreira e se impor.
Algumas vezes, embora aborrecida comigo mesma, precisei capitular e aceitar a derrota: hoje não vai sair nada, paciência. É estranho ser forçada a ter paciência com a gente mesma. Não é caso de adquirir muita, pelo perigo de começar a achar natural o não cumprimento de prazos e compromissos, mas de um pouco precisa, quem quiser sobreviver.

Bem, para não forçar a barra, optei por me esforçar ao máximo, depois aceitar a derrota como parte da condição humana. Com tempo e tranqüilidade, tira-se inspiração até das pedras; lê-se um livro, folheia-se uma revista, e logo assuntos variados disputam a preferência. Sem algum desses requisitos, borboleteia-se entre uma idéia e outra, incapaz de desenvolver alguma.

Pois, numa dessas, chegado um dos jornais regularmente recebidos, lá encontrei um aviso de que a coluna da Marta "excepcionalmente não sairia". Foi um baque. Coloquei-me no papel do leitor acostumado à página, a se perguntar o que teria acontecido com a cronista, porque faltara com o compromisso? Será uma pessoa inconfiável ou foi problema de força maior? Voltará na próxima semana ou encerrou a carreira de vez?

Ainda abalada, acessei a internet, só para receber o segundo puxão de orelhas do dia. Lá da distante Angola, Willian, o gentil editor, em tom de brincadeira, conta os apuros do seu pessoal, à espera da crônica da Marta: chegará ou não?
Bem, aí, se pudesse, eu me enfiava terra a dentro, tapava a cabeça e ficava lá, quietinha, até a vergonha passar ou alguma inspiração aparecer. Mas, no meio da mensagem, ele relata a alegria, quando enfim a crônica chega. Depois, completa, como quem entende que razões devo ter tido, para atrasar: Estamos juntos.

Essa última frase colocou tudo em seu lugar. "Estamos juntos", mesmo em cidades ou países distantes, pessoas tão iguais, em mundos na aparência diferentes, irmãos na sua essência. Estamos juntos nas alegrias que nos permitimos viver, nas dificuldades que todos enfrentamos, nos espaços que às vezes não conseguimos ocupar, nos lugares que ficam para nós reservados.

Estamos juntos, sempre que recebemos um voto de confiança e nos esforçamos para merecê-lo. Longe ou perto, estamos juntos, quando lemos nas entrelinhas mais do que alguém pretendeu revelar. Ou, sem conseguir entender, quando apenas esperamos, pela certeza de que, apesar dos pesares, estamos juntos.

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