A menina caminha, em torno da sala, em passos incertos. Toca objetos, aperta os que lhe parecem flexíveis, aproxima da boca os mais apetitosos. Descobre o mundo. Ouve “Não!”, quando tenta morder uma farpa de madeira, encontrada no chão. Sem insistir, _ talvez por ter percebido o áspero do material _ abandona o achado e se dirige à lareira, protegida pela grade de ferro. Nesse momento, o “Não!” sonoro faz com que recue, rápida, alertada pelo tom da voz. Logo, disfarçada, faz nova investida, esperando contar com a distração ou debilidade dos circunstantes. Dessa vez, pelo tom firme da negativa, compreende que a turma não está para brincadeira, por isso troca de interesse e, em passinhos rápidos, se conduz à cesta de vime onde estão os inúmeros tesouros com que pode brincar sem cuidados. Aprende que a boa convivência implica em limites que devem ser obedecidos.
Descoberta essa realidade, olha para a mãe, o pai ou quem estiver por perto, a cada nova investida. Os olhos curiosos perscrutam os do adulto, atrás de aprovação.
Obtida, segue em frente, até perder a motivação. Negada, testa a autoridade, por alguns segundos; ao notar firmeza, às vezes chora, aborrecida, depois se conforma e parte para outro interesse, sequiosa de novas experiências.
Esperta, logo aprende que a mesma atitude pode desencadear diferentes reações. As chaves, por exemplo. Alguns não se incomodam que tire todas dos armários, aleatoriamente; outros se apressam a retirá-las, antes que alcance a segunda porta; alguém prefere cortar o brinquedo, na primeira investida. Para cada um, com certeza, mostrará a resposta adequada, na aprendizagem de corresponder ao que o meio espera dela. Sempre com o olhar interrogativo, para saber se as regras não mudaram, caso pegue a mãe cansada, o pai interessado no jornal ou a avó saudosa.
Mas não estou aqui para contar as graças da neta, assunto que até agora consegui evitar, para não escancarar o lado avó-coruja. Apenas tento colocar as suas aprendizagens dentro do mundo maior, onde ela e todas as crianças de sua geração algum dia terão que viver.
Pois esse comportamento, aprendido na intimidade da família, a criança leva para a vida e o mundo lá fora. Por isso, alguns professores são respeitados e outros vítimas de abusos, perpetrados pelos mesmos alunos, que tanto se mostram educados e interessados como bagunceiros e anarquistas, conforme o mestre. Como a criança, o jovem testa forças, percebe na atitude do professor a autoridade a ser mantida ou o medo de assumir posições.
Nos locais de trabalho, de forma semelhante, os empregadores descobrem que o funcionário pode apresentar comportamentos diferenciados, conforme o chefe que lhe coube. Aquele que parecia relapso de repente se mostra cumpridor, só pela mudança de chefia, e vice-versa: aquele antes aplicado se transforma em malandro, ao não ser cobrado ou incentivado.
Essa é a situação, salvo raras exceções de pessoas que se conservam íntegras, em ambientes escusos, e outras que apenas fingem bons princípios, ao freqüentar lugares mais rígidos, conservando-se os mesmos sem-vergonha, logo que surja a oportunidade.
No meio político, observa-se comportamento semelhante ao da criança. O chefe, na figura do presidente do partido, presidente da Câmara ou do Senado, principalmente no papel de presidente da República, é quem dá as cartas e determina a seriedade do jogo, se é pra valer ou se serão aceitas malandragens por baixo da toalha. Os outros componentes da mesa podem se ver na posição de meros coadjuvantes, sem forças para mostrar oposição, quando a liderança negativa se mostrar forte e cada vez conquistar mais adeptos.
Em certos momentos e certos locais, perde-se o senso do certo e do errado; sobra o que é possível fazer. Nesse ponto da história, parece ser o que acontece nos altos escalões, onde as pessoas olham para cima, para ver como os superiores se comportam e assim descobrir qual o comportamento aceito. Quando os chefes fazem declarações conciliatórias, considerando como naturais os desvios de conduta, ou quando fecham os olhos às investidas nos cofres públicos, porque “sempre foi assim”, eles estão sinalizando a sua concordância _ como se eu sorrisse, a cada vez que a menina chegasse perto da lareira, ou falasse um “Não” tão tímido que ela confundisse com “Sim”.
Ao mesmo tempo, enquanto as autoridades máximas quebram todas as regras de retidão e respeito ao cidadão, seus movimentos são observados pelas crianças e os jovens de todas as classes sociais, desejosos de também entender as regras do jogo. O futuro mostrará as suas conclusões. Mas é bom tomar cuidado, porque eles aprendem rápido demais.
2 comentários:
Sei, por estudos feitos, de que o que educa, verdadeiramente, é o NÃO.
Quem sabe usar seus limites, e é, maravilhoso, tê-los sempre se dará bem com a vida.
Quem extrapola seus limites, será um ser, com o passar do tempo,infeliz.
Querida, já que desviaste do aprendizado da neta para a humanidade inteira, quero acrescentar também os animais.
A Mel, muitas vezes ao dia no meu colo, está sempre ouvindo os meus NAOS. Os limites são indispensáveis. É isto aí. Do contrário, ficamos no meio de um verdadeiro cáos. Beijos,
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