1 de jan. de 2010

Só depois do Carnaval

Todo final de ano é a mesma coisa, você sabe. Aliás, está cansado de saber. A gente se enche de bons propósitos, a maioria esquecidos após a primeira semana, quando tudo começa a voltar ao normal. Alguns acham que as coisas só normalizam depois do Carnaval, mas não sei, não. É tempo demasiado para a protelação. Até acredito que alguns consigam ir levando a vida, sem assumir compromissos ou cumprir obrigações, até depois do Carnaval. Para a grande maioria, isso é impossível. Se deixar tudo para depois, a casa cai, a lavoura seca, vencem as contas, perde-se o emprego e todos os prazos. Isso quando o sujeito tem sorte e, nesse embalo da protelação, a mulher não começa a ter idéias ou sabe-se lá o que pode acontecer aos filhos, também desassistidos.

Até quem está em férias não escapa de certas obrigações, se é pai, mãe ou trabalha por contra própria. Pensando melhor, assalariados responsáveis também sabem que, em emergências, pode se tornar necessária a sua presença. Somos responsáveis pelas escolhas feitas, o que nos tira o direito de deixar tudo “pra depois do carnaval”.

Mas, no Brasil, há o consenso de que a roda só volta a girar depois que Momo descansa _ o que sempre me parece uma injustiça com todos os que continuam labutando, madrugando ou varando noites, nas mais diferentes profissões, seja com trabalho braçal ou mental.

Imagine o vaso sanitário entupir ou o cano da água estourar e não ter a quem recorrer? E se o lixo se acumulasse, até depois do Carnaval? E não houvesse onde comprar mantimentos, porque todo o comércio preferiu o repouso? Se não se encontrasse um pé de alface ou um tomate, já que os agricultores teriam aderido ao recesso? Se ficássemos às escuras, sem TV, sem geladeira, sem celular ou computador, sem balança pra pesar ou máquinas calculadoras, porque os funcionários da manutenção da eletricidade foram para casa, todos ao mesmo tempo?

Quando se pára pra pensar nessa gente toda, em diferentes escalões, batalhando pra fazer a roda girar, sente-se a injustiça da parte daqueles que falam que o país tem prazo certo pra voltar a funcionar.

Então, estamos acertados: já se foi o tempo em que o ritmo da vida era tão lento que o país podia se permitir o luxo de parar. Hoje, quem parar perde o bonde ou, numa linguagem mais atualizada, é passado para trás por alguém mais diligente.

Sendo assim, talvez a gente precise tomar mais cuidado com aqueles propósitos e projetos costumeiramente postos de lado, mal o ano envereda por outros compromissos. Talvez seja o caso de revisá-los e avaliar a importância de cada um, na pessoa que desejamos ser ou nos tornar. Nessa pressa de viver o dia-a-dia, somos atropelados por muitos compromissos que nos levam de roldão, fazendo com que esqueçamos projetos que poderiam nos enriquecer como pessoas, se realizados. Coisas e pessoas importantes às vezes são postas de lado, enquanto dedicamos tempo e atenção às menos importantes, só porque nos foram atiradas ao colo.

No ano que começa, desejo que cada um de nós encontre tempo e calma para olhar para dentro de si mesmo e estabelecer as prioridades. Depois, que tenha paciência e garra para transformar os seus projetos em realidade. Mas nada de esperar até depois do Carnaval. Coisas muito proteladas, quando chegam a ser realizadas, em geral perderam a razão de ser.

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