Suas crônicas mostram intimidade com a terra e a vida no campo, na simplicidade com que trata temas espinhosos como relações humanas, amor, ciúme, inveja, dor e morte.
25 de abr. de 2010
No jardim, havia um cipreste
No jardim, havia um cipreste. Grande, generoso, criava a sombra protetora, refúgio da balbúrdia, recanto de paz e inspiração. Amava aquele cipreste, plantado por meu sogro, em época em que decerto também acalentara sonhos e expectativas. Como eu, tantas vezes, à sombra do cipreste.
Quando, recém-casada, cheguei à casa da fazenda, prestei mais atenção ás trepadeiras floridas e ao canteiro de amores-perfeitos, plantados pelas mãos experientes de minha sogra. Dentro dos limites do jardim, cresciam vários tipos de ciprestes, mas só mais tarde, aos poucos, me interessei por eles. Talvez porque as flores fenecessem, umas após as outras, descontentes com a minha inaptidão, enquanto as árvores cresciam, dispensando cuidados. Aliás, dos amores-perfeitos me ressenti, por morrerem ao final da estação, sem saber que a renovação era obrigatória.
Inicialmente, os três ciprestes à frente da casa se mostraram úteis, abrigando as redes penduradas a eles. Depois, vieram as crianças e a preferência foi pelo outro, mais próximo. Lá armaram suas mangueirinhas, o zoológico e o Forte Apache, em tardes de sol.
Com as crianças, aprendi a amá-lo. Lugar ideal para festejar batizados de tartaruga e aniversários de cães, coisas que as mães inventam, na ânsia de entreter os dias longos. Cresceram as crianças, alçaram voo, e o cipreste permaneceu o recanto preferido, ora propiciando leituras tranqüilas, ora almoços e lanches sob a copa hospitaleira.
Mas, aos poucos, massacrado pela força dos ventos, começou a perder os galhos, apresentando grandes vazios. Conforme se restringia, tratávamos de nos adaptar, como se faz quando não se quer admitir a perda. Até que sua sombra se tornou perigosa, os últimos galhos prestes a ceder ao próprio peso _ transformados em ameaça sobre as cabeças e os automóveis que ainda teimavam em buscar o abrigo costumeiro _ e foi preciso aceitar o fim.
A grama cresceu farta, aparentemente preenchendo o vácuo, mas a dor da ausência persistiu. Olhei à volta e não vi substituto. Parte da história ali se encerrava, pensei.
Após longo luto, um dia o olhar se estendeu para além da cerca de madeira. Viu a grande figueira, de tal forma entrelaçada com duas outras, que até se poderia considerar única. Despercebida, até então. Linda. Desmanchada a linha divisória, a figueira foi incorporada ao jardim e recebeu os primeiros cuidados: uma carga de areia sobre as raízes, para afastar o risco de alguma cobra sorrateira. Não que a prevenção impeça o aparecimento dos répteis, mas os adversários podem ser enfrentados, quando postos a descoberto.
Logo alguém imaginou o churrasco sob a sombra copiosa; outra pensou prender o balanço da menina aos galhos fortes; quem sabe instalar as redes, para a sesta dos interessados. São idéias, que por enquanto necessitam alguns reparos, pois a figueira, ao contrário do antigo cipreste, não está na localização ideal. Mas perdas exigem mudanças, por isso são tão difíceis de administrar.
Por enquanto, a figueira não substitui o cipreste; é tempo de conhecê-la e descobrir o que a convivência pode proporcionar. Até fico pensando em quanta coisa se perde, por não olhar com mais atenção, ou por deixar o olhar preso ao passado, incapaz de ver que a vida continua. Aliás, o cipreste terá sempre lugar em nossas memórias, por tudo o que representou. À figueira caberá ser ela mesma, com o que for capaz de proporcionar.
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