Vi as taças para sorvete, na prateleira da loja, e quase imediatamente se tornaram o meu sonho de consumo. Sonho modesto, já que não eram de fino cristal e sim do mais simples vidro. Contudo, grandes, bem instaladas sob o pé alto, prometiam fartas porções de sorvete, sem risco de pingar pelas bordas ou virarem na mesa, a um toque desajeitado.
No primeiro momento, considerei-as o presente ideal para a nora que, na mais absoluta elegância, optou por se manter longe dos chocolates. Era Páscoa, no entanto, e alguma gentileza devia lembrar a data. Assim, peguei a embalagem com as seis taças, certa de agradar. Na prateleira, a outra embalagem ficou me olhando, com olhar pedinchão, como quem foi abandonada à própria sorte.
Condoída pela situação, num surto de generosidade, pensei que bem poderia completar a dúzia, no presente, embora o tamanho de cada peça talvez exigisse a complementação de um guarda-louça. Antes que a questão se desenvolvesse, porém, senti que a conversa era comigo mesma. As taças escolheram a sua dona, a nora perdoe a desculpa esfarrapada.
Assim, na condição de orgulhosa proprietária, peguei a segunda embalagem e me dirigi ao caixa. No meio do caminho, bateu o remorso. Imaginei a nora recebendo a turma de amigos e explicando que só possuía seis taças, porque a sogra ficara com as seis sobreviventes para ela. Voltei à prateleira: quem sabe havia outra embalagem, escondida por lá? A esta altura, aliás, considerando a beleza das taças, o bom preço e a necessidade criada em minha vida, já estava a fim de adquirir uma dúzia para cada uma. Não havia outra embalagem, porém, e as outras taças, aparentemente iguais, mas expostas individualmente, eram de mais preço. Conformada, segui o meu caminho.
Em casa, precisei fazer um remanejo na arrumação do armário, para acomodar a nova aquisição. À noite, estreei as taças, servindo sorvete ao casal de amigos. Dono de casa assumido, o amigo quis saber onde as havia encontrado. Achei melhor não estender o assunto, explicando que comprara as últimas de menor preço.
À mesa da refeição, no almoço do dia seguinte, as taças fizeram sucesso, as seis em atividade. Se aparecesse alguém mais, eu teria que me conformar com a cremeira de sempre. A nora apreciou o presente, embora deva ter pensado que bem poderiam vir acompanhadas do guarda-louça, considerando o seu tamanho e a impossibilidade de serem colocadas umas sobre as outras.
No churrasco do final de semana, o amigo era o feliz proprietário de taças irmãs das minhas. Enquanto me servia do delicioso sorvete caseiro, antes que eu fizesse qualquer comentário, ele tratou de explicar, rindo, que saíra a procurá-las, no dia seguinte, encontrando-as em outra loja. Aí eu também ri: não sabia que sonho de consumo pegava, com tanta facilidade. Mas que bom quando podemos nos proporcionar pequenos prazeres. Melhor ainda quando conservamos a capacidade de apreciar os pequenos prazeres.
Só que breve terei que fazer nova perambulação pelas lojas, atrás de outra embalagem: logo os netos crescem e seremos oito à mesa, isso sem contar os outros convivas costumeiros. Acomodação no armário, pelo menos, não será problema: já arrumei um lugarzinho.
Um comentário:
Os pequenos prazeres são, no meu entender: Grandes.Feliz de quem está rodeado de "pequenos" prazeres, pois completam nossa vida.
Beijos e bastante pequenos prazeres!
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