25 de mai. de 2011

Dó-ré-mi

Toda segunda-feira, a aula de Música reunia as três turmas do Curso Normal. Basicamente, a aula era de canto coral, ao qual nos referíamos como “Orfeão”.

Algumas vezes, a professora escolhia uma música e ficava trabalhando nela, semana após semana, como se, absorvidos aqueles conhecimentos, todas nos tornássemos aptas a fazer o mesmo, futuramente, com os nossos alunos. Em outras ocasiões, caprichava no “dó-ré-mi”, gesticulando como maestro, ora para um grupo, ora para o outro. A primeira aula das segundas-feiras era o meu momento de tormento pessoal.

Em crônica anterior, referindo-me ao Bullying, comentei que nem sempre, nas escolas, ele é praticado pelos colegas; algumas vezes, não poucas, são os professores que maltratam os alunos, abusando da posição de mando. Em geral, a marcação se dirige a algum aluno que, por qualquer motivo, desperta sentimentos conflitantes ou animosos no professor. Devia ser o caso daquela professora comigo. Verdade que não tenho a menor aptidão musical, completamente incapaz de sequer solfejar com êxito.

Justamente por isso se esperaria que a mestra não tentasse arrancar de mim nenhuma nota musical, mas ela não pensava assim. Contra todos os preceitos didáticos, esforçava-se, aula após aula, para apontar a minha incapacidade, como se eu tivesse culpa de pensar que cantava uma música e entoasse outra, num inexplicável desencontro entre o cérebro e as cordas vocais. Pois eu juraria que estava cantando certo, até ouvir o costumeiro “alguém está desafinando neste grupo” _ e vê-la parada à minha frente, como se aquilo fosse novidade.

O sofrimento se repetia, aula após aula, talvez porque ela não acreditasse em tanta incapacidade. Às vezes, para fugir à situação constrangedora, eu tentava ficar de boca fechada, mas ela via e, com um gesto da mão, me mandava cantar; em outras, experimentava abrir e fechar a boca, como se cantasse, sem emitir um som, o que ela também percebia. Desgostosa, às vezes me atrasava de propósito e perdia a primeira aula, mas não podia exagerar, pela necessidade de freqüência.

Assim, aos tropeços musicais, desenvolvia-se o meu curso, eu sem saber que atitude tomar, as colegas procurando não rir, embora a situação fosse muito engraçada. Até que compreendi que o problema não era eu e parei de me importar. Passei a cantar desinibidamente, ignorada a preocupação com os ouvidos alheios, já que a minha dificuldade não era respeitada. Quando ela falava “alguém está desafinando nesse grupo”, fazia cara de “fazer o quê?” e ríamos todas, libertas do constrangimento, deixando-a sem jeito, como merecia.

Pensei que ia “rodar” em Música, no exame final. A prova era justamente uma sessão de solfejo. A futura sogra, com excelentes aptidões musicais, ofereceu-se para me auxiliar na aprendizagem, sem obter muito êxito. Estranhamente, passei. Talvez a professora tenha entendido que o que lhe parecia insuficiente era o meu melhor ou quem sabe cansou de mostrar autoridade. De minha parte, compreendi que alguém só nos coloca em posição inferior quando lhe damos esse direito. Aprendizagem bem mais proveitosa que solfejar no tom certo.

Um comentário:

Rutthe N. Peters disse...

Continuam acontecendo estes disparates até na Faculdade, na Pós - graduação de Música.Choros, nervosismo, por não acompanhar determinadas músicas, fizeram um estrago imensurável numa colega!O pior é que nada foi feito - a professora era efetivada...

Beijos