O neto paulista chegou, à tardinha, cansado da viagem desde São Paulo. Entrando na casa, esqueceu o cansaço e saiu a correr pelos cômodos, como “dono do campinho”. Ao passar pela sala de jantar, deu muitas voltas em torno da mesa, na maior velocidade, bracinhos erguidos, simbolizando alegria; depois, subitamente cauteloso, segurou-se na porta de vidro para descer devagar o degrau de acesso à sala de estar, retomando logo a corrida, enquanto se desviava com mestria do sofá e dos outros móveis, na pressa de chegar ao objetivo final: o seu quarto (na verdade, o antigo escritório do avô, em nova e mais prazerosa função). Desinteressado dos circunstantes, que acompanhavam, perplexos, a corrida de reconhecimento (riso contido a custo), chegando ao quarto parou, abriu a “arca do tesouro” e iniciou a aventura do reencontro com seus brinquedos, jogos, livros, pincéis.
No dia seguinte, bem cedo pela manhã, veio de perto a neta gaúcha, ansiosa por encontrar o “primo”. Ignorada a diferença de idades, ela com três, ele menos de dois anos, passaram de uma atividade a outra, na maior animação. Tantas opções descobriram, graças à criatividade, que por sorte não se demoraram no brinquedo recém inventado: um se esconder atrás da estátua, o outro achá-lo e correr a bater no gongo, para anunciar a descoberta; revezando-se, repetiam a brincadeira, sempre no mesmo esconderijo, interpretado a cada vez como grande novidade.
Certo dia, os filhos, recém formados, saíram da casa e da cidade, para construir seu futuro, em outras plagas. De preferência _ entendi _ onde fossem desconhecidos, para que tivessem a certeza de contar apenas com o seu próprio esforço. Naquela ocasião, apresentada à expressão “ninho vazio”, comparei filhos a pássaros, que precisam testar suas asas e se fortalecer, voando para longe do ninho seguro, onde pais, principalmente mães, têm tendência a protegê-los em exagero. Prejudicando a auto-estima, em alguns casos; limitando as potencialidades, em outros, por facilitarem demais, tornando tão gostoso o ambiente caseiro, de onde “sair pra quê?” _ e assim os filhos permanecem no ninho, achando-se espertos, sem saber o que perdem em crescimento emocional, por não serem obrigados a enfrentar a rotina de pagar a conta da luz para não tê-la desligada, conservar pelo menos água na geladeira, cuidar que não fique sem reposição o último rolo de papel higiênico _ coisas banais, essenciais ao crescimento. Sem falar na dificuldade em encarar relacionamentos duradouros, por medo de errar na escolha ou de não saber preservá-los.
Quando os filhos partiram em busca de si mesmos, os pais, para não ter o ninho deserto, chamaram amigos e filhos de amigos e amigos dos filhos e a casa se conservou viva e alegre, como os filhos compreenderam, nos retornos possíveis.
Crianças se acostumaram a vir, acompanhando os pais nas reuniões de adultos, e hoje são os jovens que alegram e enfeitam o ambiente, com suas presenças bem-vindas.
Ontem, em festejo familiar, olhando a farra da criançada, já acrescida de outros, filhos de alguns dos tantos que sempre alegraram a casa, soube que a vida se renova, quando deixamos acontecer. Desconheço se algum tipo de pássaro volta ao ninho, após partir; sei que filhos retornam ao ninho que se conserva aquecido, para onde também trazem seus rebentos, a fim de que desde cedo possam usufruir o prazer do amor e da amizade cultivados.
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