Presenteei a menina com uma boneca, no Dia da Criança. A boneca fala muitas frases, mas a neta gostou mais da mamadeira e da chupeta presas à caixa. Enfiou a chupeta na boca da boneca e isso pareceu mais divertido que ouvi-la falar. Correu até a pia do banheiro, encheu a mamadeira e isso, com certeza, foi divertido. Ajustou o bico da mamadeira à pequena abertura na boca do bebê e esvaziou o seu conteúdo. Não satisfeita, repetiu a operação, o ato de alimentar a “filha” mais interessante que ouvi-la balbuciar frases variadas. Depois, recostou a boneca na almofada do sofá, para fazê-la dormir. Aí, deu risada: “Ela fez xixi no sofá da vovó”! _ comprovou, deliciada, passando a mão na almofada.
A prima ganhou uma boneca que caminhava, após ser operada de apendicite. Escondida sob o vestido, nas costas, a boneca possuía uma chave que, girada no sentido dos ponteiros do relógio, propiciava um caminhar duro, pernas e braços se movimentando no mesmo ritmo, como robô. Era linda a boneca, aos meus olhos de criança.
Passado pouco tempo, a segunda prima também precisou ser operada de apendicite e _ oh, maravilha! _ foi presenteada com um boneco, flexível como um bebê de verdade, que chorava, ao ser apertado um botão em suas costas. Lindo.
Eu possuía um bebê de borracha que fazia xixi, após ser alimentado com uma mamadeira de água. Mas, naturalmente, ao conhecer a boneca que caminhava e o bebê chorão, ambos “made in USA”, eles se transformaram no meu sonho secreto.
Na minha infância, ao contrário de hoje, as crianças só tinham direito a presentes em ocasiões especiais, como Natal, aniversário e Páscoa, quando recebiam ovinhos de chocolate; além disso, brinquedos eletrônicos costumavam ser importados e caríssimos.
Na clarividência dos meus nove anos, deduzi que operação de apendicite correspondia a premio especial. E apendicite, naquele tempo, era quase modismo, o que me dava grande chance. Assim que não deu outra: quase com alegria, não fosse pela forte dor, recebi a notícia de que precisaria ser operada, imediatamente.
Recuperada da anestesia, fui presenteada com uma caixa grande de lápis de cor e um livrinho com figuras para colorir, no lugar da esperada boneca.
Àquela altura dos acontecimentos, contudo, por frases ouvidas aqui e ali, eu já havia feito a dissociação entre apendicite e bonecas importadas, de forma que o importante foi me sentir especial, com toda a atenção recebida, por ter sido operada.
Passados muitos anos, qual a minha surpresa ao ver, na prateleira da loja, a preços surpreendentemente acessíveis (fabricadas na China?), vários tipos de bonecas, cada uma fazendo mais gracinhas que a outra. Ao ter comprimido o botão na barriga, a primeira repete tudo que ouve, a segunda fala várias frases, a terceira canta modinhas infantis. Escolho aquela com maior repertório de expressões, justamente um bebê flexível. O pretexto é o Dia da Criança.
“Isso acontece”, falo para a neta, quando mostra a almofada molhada, assimilando o fato de que, para ela, acostumada a brinquedos eletrônicos, interagir com a “filha” seja mais interessante que ouvi-la desenrolar o monólogo programado. Tal como, na infância, imaginei que receberia o presente desejado, agora também imaginei que se encantaria com a fala da boneca; a imaginação fértil prega peças e cria falsas expectativas.
Talvez seja interessante providenciar uma fralda descartável para a boneca, que agora se chama Maria Alice. Sem frustração, caso a graça seja molhar o sofá.
Um comentário:
Certa vez demos uma piorra, lindíssima, e que tocava linda muúsica, para um afilhado. Ele preferiu a caixa onde vinha o presente, e nós adultos, ficamos brincando com a piorra!
Beijos
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