A amiga perguntou se, no fundo do baú de onde retiro lembranças, não havia um rancho de torrão, como aqueles que antigamente povoavam as estâncias. Procurando, encontrei não um, mas vários ranchos, cada um com a sua história.
Num tempo em que, no interior do Rio Grande do Sul, havia carência de material de construção, os ranchos, usualmente moradia das famílias dos peões, eram construídos com blocos maciços de terra vegetal e capim, sobrepostos. Lançadas umas sobre as outras, com força e habilidade, as leivas se aglutinavam, pela compressão, como cimentadas.
A cobertura do rancho era de palha santa-fé, costurada com arame fino sobre uma armação de madeira. Um homem ficava embaixo e o outro sobre a armação, colocando os feixes de palha e trespassando-os com o arame, para fixá-los, conforme o arame (colocado na agulha apropriada, presa a um bambu) era reenviado pelo que estava no solo _ operação que, por utilizar arame de quincha, chamava-se “quinchar”.
Após algum tempo, o capim e as raízes secavam, fazendo com que, pelo material usado, os ranchos possuíssem bom isolamento acústico e térmico, sendo frescos no verão e quentes no inverno.
As janelas, em geral, possuíam somente postigos, mas, de acordo com o capricho dos proprietários, algumas ganhavam vidros e até cortinas curtas em algodão floreado.Muitos, inclusive, caiavam as paredes internas e externas.
Os cômodos costumavam se dividir em um ou dois quartos e uma ampla cozinha, ponto de reunião da família. Como o banheiro costumava ser uma casinha de madeira, afastada da casa, os banhos aconteciam também na cozinha, numa bacia de louça ágata, onde era colocada a água quente, retirada da chaleira de ferro sempre sobre o fogão a lenha.
As leivas eram retiradas exatamente do local onde o rancho seria erguido, proporcionando o piso firme de terra batida, inclusive no terreno ao redor da casa.
No início da década de 70, meu sogro começou a construção de casas de alvenaria para os empregados, em substituição aos poucos ranchos ainda existentes, obedecendo sempre à mesma planta, com o máximo de aproveitamento do material: sala, 2 ou 3 quartos, cozinha, banheiro e um tanque coberto, à saída da cozinha.
Minha sogra e eu acompanhávamos com grande entusiasmo a construção da moradia de um posteiro, funcionário antigo. Quando ficou pronta, fomos visitá-la, esperando encontrar a dona da casa feliz e sorridente. Para nossa surpresa, ela se declarou aborrecida com a perspectiva de ter que passar a lavar o chão de ladrilhos vermelhos. “Antes, era só baldear e pronto” _ explicou, referindo-se ao sistema de jogar água sobre o piso, por ser de terra batida. Passado o desencanto, tivemos que rir, por compreender que a noção de conforto varia de pessoa para pessoa. Jamais imagináramos que alguém pudesse não apreciar banheiro e cozinha com água encanada, além de uma salinha gostosa para reunir a família.
Aos poucos, os ranchos de torrão desapareceram da paisagem gaúcha, substituídos pelas “casas de material”. Sem o aconchego do fogão a lenha, trocado pelo fogão a gás, as famílias passaram a se reunir em frente à televisão e as antenas sobre o telhado se transformaram em símbolo social. O campo entrou na modernidade e novos sonhos de consumo se transformaram em necessidades imprescindíveis.
Um comentário:
Marta, Boa Tarde!!
Adorei teu post. Estou na trilha da Permacultura. Vou fazer uma casinha (protótipo inicial/) de barro. Ainda não a minha definitiva. Será um total retorno as origens. Com banheiro seco e tudo. Quero fazer uma parte m torrão, ou leivas, como chamamos aqui na região.
MInha mãe conta q, aqui, chamavam de Reiunas, essas casas, e eram feitas , principalmente na beira da lavoura.
Quero resgatar essa técnica, e te agradeço muito o post.
Se tiveres mais algum material sobre isso, adoraria que me mandasses.
Paz e Luz
Anna Seixas
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