10 de jun. de 2012

Os puros de coração

Acredite: existem muitas pessoas corretas, boas, gentis, do tipo que pensa no coletivo, jamais prejudicaria outrem. Maravilhoso que existam pessoas assim. Por incrível que pareça, tenho a sorte de conhecer algumas.

Mas há um perigo com essas pessoas: como, em hipótese alguma, são incapazes de mentir, enganar, fazer mal ao próximo, elas acreditam que todos são feitos do mesmo material. Por isso, são passadas para trás, com facilidade, por aqueles menos bem intencionados, que logo detectam a ingenuidade. Levam cada tombo os puros de coração! Caem como patinhos em armadilhas elaboradas para tirar proveito, roubar o amado ou o poder, tentar manchar o nome do rival perante a opinião pública ou qualquer interesse alheio.

Até ai, tudo normal. Ingenuidade é mal que se padece, em maior ou menor grau. O problema com pessoas boas demais é que, independente de quanto sejam atingidas, elas continuam acreditando que ruindade ou safadeza têm cura, o que as torna propensas a se tornarem vítimas ou sacos de pancadas dos incapazes de conviver com bondade, generosidade e honestidade.
Sabe como se comportam os puros de coração, quando alguém lhes puxa o tapete ou ataca com palavras injustas? Oferecem a outra face, como aprenderam na infância, ou _ em casos ainda suscetíveis de cura _ afastam-se de quem lhes causou mal. Mas sempre discretamente, sem fazer alarde do tratamento malévolo recebido, porque contar a muitos seria prejudicar o tratante e pessoas boas em demasia não gostam de prejudicar ninguém, nem aos tratantes e mal-intencionados.

Mas tanta bondade, apesar de proporcionar um sono tranquilo _ imagino _ tem um efeito malévolo, não só para o portador, também para a sociedade. Pessoas boas precisam compreender e mostrar aos aproveitadores que bondade não é bobeira. E divulgar o mal efetivamente sofrido é forma de evitar que mais gente seja prejudicada, o que se pode classificar como serviço de utilidade pública. Diferente de passar adiante o que se ouviu de outrem _ por cuja veracidade não podemos nos responsabilizar _ repassar as nossas vivências pode evitar problemas aos próximos, quando alertados.

Pessoas boas em demasia demoram, mas algumas conseguem compreender, a tempo de melhorar os relacionamentos, que precisam se impor, quando necessário, e dizer verdades e virar a mesa. Pra depois o ambiente desanuviar e as posturas serem reconhecidas. As incorrigíveis, contudo, mal recebem o desaforo, já começam a pensar na maneira de passar o borrão e facilitar ao desaforado ou à desaforada o retorno ao convívio, dessa forma reforçando a atitude negativa _ quando mais prudente seria esperar que a preocupação partisse dele ou dela, se desejasse ser perdoado. Além de que certas distâncias são benéficas e até necessárias.

Um ditado antigo e meio chulo era passado de boca em boca, em tempos que o vocabulário era mais requintado. Ouvi, naquele tempo: “Quem se abaixa demais, aparece o bumbum”. E não é que é verdade? Embora hoje isso já seja meio corriqueiro, continua péssimo ser pego desprevenido. Mas o que o ditado quer dizer é que as pessoas, independente de quanta generosidade e pureza tenham em seus corações, precisam colocar limites nos relacionamentos, dar um “basta” à discussão que perdeu o rumo, negar-se a fazer o que já não tem vontade (mesmo tendo feito outras vezes).

Quando não se é do tipo aproveitador e mesquinho, é uma delícia conviver com pessoas de coração puro, porque estar com elas é estar em segurança, baixar as defesas. Mas, às vezes, penso se não seria melhor ser justo, em vez de bom em demasia, proporcionando a uns e outros tratamentos segundo seus merecimentos.

E o melhor sono talvez seja o dos justos, ainda que nem sempre compreendidos.

5 comentários:

Beatriz Lang Passos Bonat disse...

Como sempre, querida Marta, traduzindo, em tuas crônicas, tudo que penso e não consigo expressar porque não possuo o dom que Deus te concedeu! Parabéns, mais uma vez! Bjs carinhosos!

Maria Thereza disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Ruthe Peters disse...

Faz muito tempo que não lia tantas verdades. Viver é fácil, mas conviver é difícil. As pessoas são o que são, e dificilmente irão mudar. Podemos, sim, escolher melhor, quem desejamos por perto

Maria Thereza disse...

Marta, como sempre, tuas ótimas e oportunas páginas.
Bjs, com muito carinho

Unknown disse...

Procurar ser bom, ser misericordioso, é melhor que ser justo, pois o justo será julgado com a mesma medida com que julgar, já a misericórdia está acima da justiça, não será julgado quem usa de misericórdia, pois como disse o Mestre: "Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia". A questão é que a bondade deve amadurecer, deixando de lado a ingenuidade, desenvolvendo o discernimento, usando a justiça quando manda a caridade.