8 de jul. de 2012

O passo maior que a perna



Leio sobre a crise de inadimplência por que passa o consumidor brasileiro. Pesquisa do SERASA Experian, com 350.000 inadimplentes, revela que 64% dos entrevistados tinham dívidas em atraso superando 100% da renda mensal, sem considerar contas de água, luz e serviços essenciais. Para limpar o nome, a maioria dos consumidores precisaria utilizar a totalidade do salário mensal, sendo que para grande parte isso seria insuficiente, sendo obrigados a rolar as dívidas ou assumir outras, renovando o ciclo.

Em anos anteriores, a “disparada do calote” foi atribuída ao desemprego. Em 2012, como o desemprego bate recordes de baixa, a inadimplência significa endividamento acima da condição financeira, ou seja: desejo de adquirir bens e serviços além da capacidade do indivíduo. Olho grande, como se dizia antigamente. Necessidade de possuir os últimos modelos apresentados na TV e nas vitrines, ainda que para isso seja preciso dar um passo bem maior que a perna e terminar atolado em dívidas.

É o pior resultado em dois anos, segundo essas fontes, que alertam para o fato de a “onda de calote” estar se estendendo além do tempo usual. Mas o que despertou, realmente, a atenção na matéria foi a ênfase dada à frustração do governo federal: em lugar de se preocupar com a situação desesperadora dos inadimplentes, a consternação governamental é com a falta de entusiasmo dos consumidores em seguir comprando, apesar dos incentivos proporcionados. Já tendo baixado os juros para compra de geladeiras e automóveis, sem muito sucesso, em razão da escassez de dinheiro no bolso dos contribuintes, as altas cúpulas estudam pacotes mais estimuladores. A ordem do dia é fazer o povo comprar; se vai poder pagar, a gente vê lá adiante.

Aliás, é o que ocorre próximo ao Natal, todos os anos, quando o comércio acena com prazos estendidos para adquirir a TV que a mulher sonha, os tênis último modelo para o filho, o celular de nova geração. E o sujeito se atira, sem pensar que, quando os tênis já estiverem puídos, o celular houver sido superado pelos novos modelos, a TV tiver deixado de despertar suspiros de inveja nos visitantes, sobrarão as dívidas.

Na edição de 25 de junho do jornal Correio do Povo, RS, na crônica chamada “Corrupção e reforma política”, o professor e doutor em Economia, Marcos Cintra, conta sobre a pesquisa realizada pela ONG Transparência Internacional para determinar quais os países mais corruptos do mundo. A pesquisa constou de perguntas ao setor privado sobre a frequência em que é obrigado a pagar propinas ao governo para apressar os processos em andamento, corromper funcionários estatais ou contribuir para desviar dinheiro público. A pesquisa se refere à área governamental, portanto. Entre 183 países pesquisados, em 2011, o Brasil ficou na 73ª posição, atrás de países considerados assumidamente corruptos. E, quando o exemplo vem de cima, o cidadão comum acha que também pode “meter a mão” e pegar o seu.

Mas alguém precisa avisar a essa gente que corre às compras, respondendo ao estímulo recebido, que a coisa não é bem assim e a corda continua rebentando do lado mais fraco. As altas cúpulas, quando desonestas, possuem formas de escapar às consequências dos seus atos: fazem acordos pouco explicados, protegem-se uns aos outros. Já o cidadão comum termina enredado pelos carnês não quitados.

Despedido do emprego, por exemplo, o funcionário pode se achar muito esperto, por deixar ao antigo empregador a tarefa incômoda de atender ao telefone e informar que “fulano não trabalha mais aqui”. Pode mudar de endereço, pensar que apagou o rastro, mas terminará descobrindo  que perdeu o crédito, por falta de pagamento. Novas compras, nem pensar, enquanto não saldar as dívidas atrasadas.

E o triste, nessa história sempre repetida, é que a maioria das pessoas não desejava calotear, nem se complicar com SERASA ou SPC. A maioria só respondeu ao estímulo recebido.

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