Voltando de São Paulo, de automóvel, paramos para abastecer num posto entre Osório e Porto Alegre. No banheiro feminino, bonito e bem cuidado, chama a atenção o rolo de papel higiênico, preso com cadeado dentro do receptáculo apropriado. Banheiro frequentado só por mulheres, gente com condições de trafegar pelas estradas em seus carros, e os donos precisam se defender com cadeados, porque algumas não resistem a levar o rolo, como se esse roubo fosse fazer alguma diferença em suas finanças.
A comprovação, ainda que entristeça, faz parte do cotidiano. Em institutos de beleza, onde as “madames” vão se enfeitar, também padecem as proprietárias com os ataques ao papel higiênico, quando não some todo o rolo, denunciando a larapia, a última a frequentar o banheiro.
Da mesma forma, padecem os administradores de clubes sociais de renome, onde se distraem frequentadores da alta sociedade, com o sumiço dos rolos de papel higiênico _ que deve ser um produto interessantíssimo, quando pego assim, em vez de na prateleira do supermercado, passando pelo caixa.
Que impulso tão forte é esse que leva alguém a surripiar o que não lhe pertence e ali está para servir a todos? Que falta de sensibilidade é essa que ignora o verdadeiro proprietário, obrigado a fazer novo gasto ou deixar por isso mesmo, sem atender à necessidade de quem chegar depois? Que falha de caráter é essa que não foi curada na infância, quando mãe ou pai deviam ter sanado o mal pela raiz, ensinando o menino a devolver o que não lhe pertencia, fosse o apontador do colega ou o troco recebido por engano?
E é esse povo, ávido para tirar vantagem, mal vê uma pequena oportunidade, que se acha no direito de criticar políticos e governantes, cobrando a lisura que não mostra, no seu dia a dia.
Enquanto acompanhamos, descrentes inclusive da atuação do Supremo Tribunal Federal, o julgamento dos acusados de meter a mão no dinheiro público, cabe a reflexão sobre o nosso comportamento pessoal. Porque é hora de cada um enfrentar a sua verdade e alguns pararem de fingir que se comportariam melhor do que aqueles que lá estão, se tivessem oportunidade de esconder o dinheiro na cueca ou de receber algum extra por serviços ilícitos. Quando chegamos ao ponto de colocar cadeado no papel higiênico, o que esperar dos homens e mulheres a quem demos plenos poderes, através do voto?
Ouço que a corrupção não é invenção brasileira; acredito. Talvez a impunidade e a naturalidade para aceitá-la sejam a nossa invenção. Nos Estados Unidos, segundo a revista Veja, governadores e grandes empresários, descobertas as suas falcatruas, são condenados à prisão e _ maravilha! _ a devolver as quantias roubadas (aqui ninguém parece lembrar esse detalhe); em outros países, as penas podem ser mais drásticas e menos civilizadas, quando a vergonha não leva ao suicídio, muitas vezes, como no Japão. A impunidade e liberalidade das nossas leis, a naturalidade com que convivemos com a sem-vergonhice proporciona a continuação e o aumento dela.
Em viagens ao exterior, pelo comportamento de muitos compatriotas, sentimos a desconfiança em relação aos brasileiros. Por isso, ao examinar qualquer mercadoria, cuido-me ao máximo para deixá-la bem exposta, a fim de que alguma balconista não julgue que a estou embolsando, como tantos fazem, antes de passarem a vergonha de serem interpelados. Mas é triste compreender que a desconfiança dos estrangeiros tem razão de ser.
É hora de tolerância zero com as pequenas safadezas: pessoas capazes de pegar as moedas, se ninguém estiver olhando; gente que se gaba de levar utensílios e toalhas dos hotéis, outros que disfarçam para não pagar a conta ou embolsam o troco que não lhes pertence. Chega de conservar a funcionária que leva uma latinha de leite condensado, porque “ela cozinha tão bem”; chega de pensar “rouba, mas faz”; chega de compactuar, por ser conveniente. Repugno tudo isso, porque a aceitação da sem-vergonhice nos iguala aos aproveitadores e faz com que sejamos considerados farinha do mesmo saco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário