6 de out. de 2012

Sufoco

_ “O pastelão queimou” _ avisei, assim que a amiga chegou _ “mas já pedi uma tele-entrega e deve chegar logo”, completei. Solidária, a amiga contou que também faz dessas, perdeu a conta de quantas vezes esqueceu a chaleira com água fervendo no fogão. “Ainda bem que existem as chaleiras com apito e as jarras elétricas”,lembrei, pensando na vez em que a chaleira, esquecida sobre a boca do fogão, aqueceu até soltar o fundo e, pra evitar maior desgraça, o gás acabou. A partir dali, passei a somente utilizar chaleiras de apito e jarras que desligam, automaticamente; sorte é coisa com que não se pode contar.

_ Será que, raspando a parte queimada, não dá pra aproveitar o pastelão? _ perguntou o amigo, ainda sob efeito da expectativa criada pelo convite para comer um pastelão de galinha, feito no capricho. “Esse nem os cachorros vão querer” _ resolveu o marido, observando a massa dura e preta em que se transformara. Assim, saboreamos um delicioso rondelli, que chegou quentinho.

Mas essa facilidade em clarear a situação, sem subterfúgios, é consequência de outras situações em que as coisas fugiram ao controle, por não serem enfrentadas.

Pois, outra vez estava eu, bem tranquila, numa descompromissada tarde de sábado, ainda na Fazenda da Figueira, interior do Municipio de Pedro Osório, quando o marido retornou da cidade de Pelotas, com a notícia de que, ao abastecer o carro no posto de combustível, convidara o dono, amigo de longa data, para um chá em nossa companhia. E a boa notícia é que ele e a esposa aceitaram o convite e chegariam logo.

“Chá?” _ pensei, em pânico, sabendo que havia um último saquinho na caixa. “Aposto que vão preferir café” _ tentei me tranquilizar, já que, estando a quilômetros de distância de qualquer ponto comercial, só podia torcer para que a Lei de Murphy _ aquela que diz que, “se uma coisa pode dar errado, é certo que dará” _ não se manifestasse, mais uma vez. E, para não abalar a fama de dona de casa organizada, não contei ao autor do convite o sufoco em que me colocara.

Foi o tempo de organizar a mesa, com pão caseiro, os acompanhamentos costumeiros e o humilde saquinho de chá. Chegaram os amigos, para nossa alegria. Sobre a mesa, coloquei o ostensivo bule com o café recém passado.

_ Café? _ perguntei, o bule na mão, para motivar o convidado. “Fui convidado para o chá, tomarei um chá” _ respondeu o amigo, muito gentil. Sem perder a pose, entreguei o saquinho. “Inglês” _ aprovou, vendo-o prontamente adquirir cor, ao receber a água quente. Passou o saquinho para a esposa, que fez o mesmo processo em sua xícara, após também recusar o café que eu oferecia, solícita.

Com o desenvolvimento da conversa, esqueci a preocupação com a possibilidade de uma segunda xícara, até ouvir: “Tenho direito a outro chá?” Na impossibilidade de contornar o problema, tive que confessar que o casal fora agraciado com o último saquinho de chá existente na casa. Rimos todos e o bule de café teve seu momento de glória.

Dias depois, encontrei o mesmo amigo no supermercado e ele me pegou pela mão, levando-me através dos corredores, como quem tem algo inusitado para mostrar. Conduziu-me a uma prateleira: _ Aqui é a área dos chás _ apresentou, risonho, e tive que engolir essa.


4 comentários:

Nailê Russomano disse...

"AADDDDOOORRREEEIII O SUFOCO... é ótima , Marta !!!"

Beatriz Lang Passos Bonat disse...

"Adorei!!! Bjs"

Ruthe disse...

Adorei a Crônica!
Beijos

Maria Helena Lemos Centeno disse...

Sempre muito bom...