Suas crônicas mostram intimidade com a terra e a vida no campo, na simplicidade com que trata temas espinhosos como relações humanas, amor, ciúme, inveja, dor e morte.
13 de nov. de 2012
Energia positiva
Algumas casas parecem possuir uma energia positiva, ao contrário de outras, sombrias, fechadas em si mesmas. Desde que entrei nesta, pela primeira vez, ela me transmitiu uma coisa boa, como se os primeiros donos, já falecidos, nos acolhessem com carinho, por saberem que vínhamos desarmados, dispostos a aceitar tanto os encantos como as limitações. E olhe que, antes de decidir pela compra, nas três únicas vezes em que a visitamos, sestrosos de perturbar os moradores de então _ pessoas de bastante idade, inclusive a empregada doméstica e o jardineiro _ as janelas estavam sempre hermeticamente fechadas e sequer a porta da frente era aberta, obrigando-nos a entrar pela porta da cozinha, o que achávamos muito curioso. Entre nós, imaginávamos qual seria o mistério daquela porta, tão difícil de abrir. E por que a funcionária de pouca conversa, que nos acompanhava em cada visita, preferia acender as luzes em cada peça, em vez de abrir as persianas?
Mas, efetuada a compra, chegou a hora de conhecer a realidade: a porta da frente decerto não era aberta pela dificuldade de abrir todos os ferrolhos e cadeados com que os moradores se protegiam; as persianas de madeira eram pesadas para os braços dos velhos funcionários; nos canos, também eles cansados, corria um fio d´água. Aos poucos, inteiramo-nos dos problemas, naturais numa casa habitada somente por velhos. Apaixonamo-nos pela casa, com o jardim descuidado, a área interna cheia de arbustos floridos aonde os pássaros vinham fazer sua cantoria, todas as manhãs. Sequer por um momento nos aborrecemos com os problemas que não quisemos ver, apaixonados como estávamos.
Pouco a pouco, solucionamos as dificuldades e modificamos o que não era do nosso gosto, como faz qualquer um que entre em terreno alheio. O filho ficou triste, quando a pequena floresta de arbustos foi substituída pelo paisagismo moderno e os pássaros procuraram outros recantos. A garça, apoiada numa perna só, com olhar maroto, persistiu por anos no grande painel pintado no banheiro do casal, embora, com a convicção da juventude, eu tenha afirmado que seria a primeira a ser exportada do local. Depois, conforme outras reformas se faziam necessárias, o banheiro do casal foi ficando para trás, esperando a vez, e passei a só lembrar do quanto desejara o sumiço da garça quando alguém, sabedor da implicância, perguntava por ela. “Continua lá” _ eu respondia _ “mas agora somos amigas”. Até o dia em que o banheiro também entrou na reforma e mais um ciclo se fechou.
E nessa dos ciclos se renovarem, chegou a vez do neto de dois anos chegar a casa (pela porta dos fundos) e, motivado pela situação presenciada, contar a sua primeira história: “Donna, gato, telhado, bagunça” _ falou, num fôlego só, conseguindo unir as palavras para explicar que a cadela Donna vira um gato em seu território e, furiosa, tentara pegá-lo, mas o gato fora mais esperto e pulara para o telhado, para alívio do menino.
Pois, um após outro, os gatos da vizinhança descobriram a passagem para a área interna, mais uma vez renovada, e, após circular sobre a grade protetora, disputam o espaço no telhado de vidro, no inverno curtindo o calor da lareira, no verão aproveitando a sombra proporcionada pela tela apropriada. São gatos bem cuidados, de pelagens diversas, que fingem não me ver, sentada no sofá, observando-os. Como eu, usufruem o alto astral desta casa. São bem-vindos, em sua total independência.
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