2 de nov. de 2012

Sobre conquista e rendição


A gata entrou na sala, ignorou a dona e a outra visita e, com naturalidade, se instalou no meu colo. A dona, amiga de sempre, pega em total surpresa, arregalou os olhou para mim e perguntou, com aquele tom de voz extremamente gentil que se usa com pessoas que podem surtar a qualquer momento: _ Queres que a coloque pra fora?
Àquela altura dos acontecimentos, a gata já estava deitada no meu colo, fingindo dormir. Por isso, respondi: _ Ela não está incomodando. “Ela nunca fez isso” _ justificou a amiga.

A gata se chama Emilia e possui uma história singular. Foi encontrada quando filhote, mal cuidada, doente. A amiga, assumida protetora dos fracos e desamparados, levou-a ao veterinário, aplicou vacinas e todos os remédios necessários ao restabelecimento, apaixonou-se pela sua fragilidade. Decidiu que a levaria, quando retornasse a São Paulo, onde reside. Imaginou que seria a companheira ideal para a gata que já possuía, a qual fica muito depressiva, quando a dona viaja.

Próximo à data do retorno, intensificou-se o assunto sobre as gatas: a que permanecera em São Paulo, enquanto a dona viajava ao Sul, e a adotada. Ao ver que o transporte da gatinha se transformava numa operação complicada, com exigência de mais vacinas e de uma caixa especial para transportá-la, entre outros detalhes, falei, na intenção de simplificar: “Quem sabe aproveitas que ela agora está bonitinha e a deixas com alguém? Lá em São Paulo, achas outra”. Chocada com tamanha insensibilidade, a amiga lascou, magoada: “Farias isso com a tua neta”? Bem, eu não faria sequer com os meus cães, que adoro, mas, sem entender de gatos, sempre ouvi dizer que são mais apegados à casa que ao dono, por isso não considerei crime deixá-la em boas mãos e partir para outra.

Mas, conhecedora do grau de amor que Emilia conquistara, passei a encarar com naturalidade todas as dificuldades que precisaram ser transpostas, até a partida para São Paulo e a chegada ao lar onde a outra gata esperava, imaginava-se que louca por companhia.

E aí, ela ficou feliz com a chegada da Emilia? _ perguntei. “Não”, respondeu a amiga, “ficou aborrecida e me deu gelo”. Solidarizei-me: “Decerto ficou enciumada, como acontece com os cães, mas isso passa”. A amiga sabe que entendo e amo os cães, como sabe que receio gatos, sabe-se lá a razão, desde a infância. Parece-me que, se não deixá-los fazerem tudo que querem, poderão me arranhar, para garantir a sua independência. Por isso a surpresa, quando Emilia se instalou no meu colo, sem pedir licença, e foi aceita com a tranquilidade e o prazer com que se aceita a visita da amiga que chega sem avisar. Verdade que ela não me afrontou, nem olhou nos olhos; não deu explicações, nem fez exigências: apenas se achegou, disposta a dar carinho. E quem não se rende ao carinho?


Um comentário:

Ruthe disse...

Precisamos de amigas assim por perto!
Beijos