4 de out. de 2003

E por falar em amigos

Amigos eu tenho, dos mais diversos tipos, em diferentes lugares. Alguns reclamam dos seus; gostaria que os meus nunca tivessem motivos para tal. Contudo, cheia de boas intenções, vejo o tempo correr, célere, sem que consiga acompanhá-lo. O cartão de Natal tem a validade vencida, o presente de aniversário chega com meses de atraso, a visita de pêsames é protelada até confundir-se com uma comemoração festiva. Assim é a vida atual, tento confortar-me.

Amigos nos dão idéias, apóiam e incrementam as nossas. Depois, retiram-se para os bastidores, a fim de nos ver brilhar; aplaudem com entusiasmo, na hora certa, mas sabem fazer a crítica adequada, o “puxão de orelhas” necessário. São especialistas em dizer coisas ternas em tom impessoal _ para não comover em momento impróprio _ e verdades duras em voz suave, para não doerem demais.

Amigas estabelecem cumplicidade, em olhares disfarçados; chamam para comer a torta de maçãs preferida ou o carreteiro feito com o churrasco de ontem; trazem as sobras do prato especial, para saborearmos no jantar. Brincam conosco, no retorno à infância. Riem das suas fraquezas e as colocam à mostra, no intuito altruísta de minorar as nossas. Fazem surpresas jamais esquecidas, como a bandeja de quindins, na volta do hospital, à chegada do primeiro filho, ou os tapetes bordados especialmente para complementar o novo visual do quarto de hóspedes.

Guarda-roupa de amiga é socorro, na hora da festa: ora a estola dourada, ora a bolsa prateada, ora os brincos de pingente ou o vestido preto. Em outra ocasião, vêm ou vão as cadeiras, algum tapete ou o biombo. Há um que tanto freqüenta a minha casa, que a sua falta já é sentida, ao mudar a decoração, na tentativa de fazer mais lugares. “Naquele canto ficaria bem o biombo”, alguém fala, e lá vem ele, novamente.

Amigas são essenciais, embora às vezes quase nos levem à loucura, por nos conhecerem bem e saberem colocar o dedo na ferida, expondo-a para ser curada. Algumas têm o ombro onde os soluços se escondem, nos momentos de dor; ou o abraço apertado, pleno de significado; outras são a mão que segura a nossa, quando as palavras perdem a força; o ouvido atento e discreto, sepulcro das confidências mais íntimas. Ou o riso franco, a resposta inesperada, capazes de nos fazerem rir e esquecer a tristeza.

Envolvidos em nossos mundos, faltamos inúmeras vezes aos amigos mais queridos, mas eles não cobram encontros, atenção; respeitam o silêncio, fazendo-se presentes – através de um telefonema, o convite para provar o waffle da máquina nova, o cartão com a mensagem especial, o recado no celular ou inúmeras maneiras alternativas – quando a nossa prolongada ausência prenuncia algo.

Confiante, o amigo procura a nossa mão, quando precisa de ajuda, e nos carrega no colo, quando nos recusamos a caminhar. Amigos nos aceitam, mesmo quando não conseguem nos entender _ e talvez essa seja a tarefa mais difícil. .

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