23 de out. de 2003

A porta fechada

Na precipitação de partir, muitas vezes não notamos o barulho seco da porta que fecha atrás de nós. Lembramos dele, contudo, quando precisamos voltar correndo e a encontramos cerrada. Cuidado com as portas fechadas à nossa passagem! Falo de relacionamentos, é claro; a da casa, eu costumo trancar.

As pessoas não são boas só quando nos servem ou gostam de nós. O emprego que nos garantiu a sobrevivência não fica ruim, quando encontramos um melhor ou somos despedidos; o marido ou a mulher que tomou novo rumo não precisam acrescentar à sua bagagem todos os defeitos do mundo.

Não é no momento do “tudo bem” que mostramos a nossa personalidade: a verdadeira face aparece na hora da ruptura. Relacionamentos começam e acabam todos os dias. É preciso saber conduzi-los até o final. Ainda que tudo tenha terminado, as virtudes do outro não se podem negar. Por alguma razão, houve concordância, durante certo tempo. Depois, a situação mudou. Agora os defeitos vêm à tona, aumentados pelo desamor, despeito ou revolta. Estava certo quem falou: _ Realmente, o seu pior defeito é não gostar de mim.

Algumas pessoas se portam mal conosco, com ou sem razão, como nós em relação a muitos, embora esta constatação seja mais difícil, tanto nos julgamos “bonzinhos”. Às vezes, o melhor é o afastamento, se considerada inviável ou indesejada a convivência. Passado o tempo necessário à cicatrização dos ferimentos – quase sempre perdido na troca de farpas e desaforos – cada coisa adquire sua exata dimensão. E teremos obtido sucesso, se conseguirmos deixar o rancor para trás.

De modo geral, é impossível voltar no tempo e retomar a caminhada, como se nada houvesse acontecido. Também os sentimentos costumam se deteriorar após uma rachadura no amor ou na amizade. Mas não desejar recuperar o passado é diferente de romper com ele e desacreditá-lo por completo. Fechar certas portas com estrondo, arrancando massa da parede, abalando o portal, é renegar uma parte de nós mesmos. Ás vezes, é sábio admitir que foi bom, enquanto durou. Ou que valeu a pena, pelos frutos que deixou.

Sentimentos bloqueados, amarguras, ressentimentos são como portas cerradas. Fechamos a primeira, alguém nos bate outra na cara, logo estamos presos num espaço apertado, sem poder continuar. Alegria, generosidade e disponibilidade são as chaves para abrir todos os caminhos. Complexos labirintos perdem seu mistério, quando as carregamos conosco.

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