Diante da pia da cozinha, na manhã de domingo, protegidas as mãos por luvas de borracha e pronta para começar o serviço, a minha atenção foi despertada pela ponta bicada na xícara de café. Num relance, voltou-me à lembrança a imagem do meu vaso de cristal. Qualquer flor nele sobressaía, assumindo a sua elegância, mas eu preferia vê-lo com rosas amarelas. Certo dia, um leve trincado perturbou a sua beleza. Decidi conservá-lo, em diversas ocasiões disfarçando o defeito com um leve puxar do ramalhete verde. Súbito, o galho mudava de posição e, no meio da festa, via exposto o meu remendo. Tentei diferentes formas, até compreender que perdera a luta: tal como eu o amava, ele não existia mais.
Amores e amizades especiais também não aceitam trincados _ ocorre-me, enquanto lavo a louça com água escaldante. Podemos perdoar muito, aceitar a repetição de faltas e omissões. Súbito, alguma nos fere demais e aquela é o golpe mortal. Em nome do passado, tentamos ignorar, disfarçando com frases feitas e exemplos semelhantes, na ilusão de minorar aos olhos dos outros o ocorrido. Quando olhamos para ele ou ela, porém, a falha resplandece, escrita em letras gigantescas, como atestado da nossa covardia. Ou símbolo de apego ao que deixou de existir.
Convivemos com defeitos de personalidade e falhas de caráter, podemos aceitar um número ilimitado de falta de compromisso e impontualidade, quando isso se refere a pessoas que não nos dizem tanto. Exigimos muito mais das que nos são preciosas, justamente por serem o nosso “vaso de cristal”. Às vezes, alguém reclama da exigência exagerada, da intolerância com detalhes inofensivos à vista. Perdoem os nossos amores: isso é demonstração da sua importância em nossas vidas.
Relacionamentos não se mantém quando deteriorados, como não se restauram os fragmentos estilhaçados do enfeite preferido. Podemos nos machucar ainda mais, como quem corta as pontas dos dedos, tentando reunir cacos de vidro.
É preciso medir os prós e os contra de cada situação, cada relacionamento ou objeto partido. Alguns vale a pena restaurar, podem mesmo continuar bonitos e nos proporcionar muito prazer. Outros nos aborrecem cada vez mais, atrasam, limitam. Precisamos criar coragem, fechar os olhos e joga-los rápido na lata do lixo. Rosas amarelas merecem um vaso perfeito.
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