23 de jan. de 2004

Sem recriminações

Sábio, o tempo se divide em meses, semanas, horas e minutos, colocando princípio e fim à jornada de trabalho, aos compromissos assumidos, mas também às nossas expectativas e apreensões. Visto sob esse prisma, fica mais fácil conviver com o atropelo do final de ano, aquela sensação desvairada de que o mundo acabará em trinta e um de dezembro. E, se não houvermos fechado todos os balanços até lá, mesmo os sentimentais, estaremos perdidos.

Pois, o ano acabou, um novo começa e aqui estamos, talvez um pouco mais amadurecidos, espero. Amadurecer pode ser apenas a compreensão de velhas verdades, entender o óbvio às vezes. Isso costuma acontecer, quando me permito parar para pensar, interromper a corrida sei lá pra onde e me perguntar porque corro, se me agrada o destino imposto e a companhia ao lado. Depois, posso prosseguir nesta São Silvestre particular, suando a camiseta, levando ao extremo a minha capacidade de reagir e lutar, para chegar inteira e coerente ao final.

“Se não podemos modificar os começos já vividos, podemos alterar os finais”, alguém escreveu na mensagem de Boas Festas, fazendo-me pensar na responsabilidade de não permanecer inerte, culpando o destino, recriminando-me pelos erros do passado. Parece fácil dizer “Agora está feito, não tem volta” e sentar para ver o estrago. Esse costuma crescer, porém, à proporção em que o observamos. Por isso o tempo nos dá um novo dia, um novo ano, até o minuto seguinte após a explosão de raiva, a palavra cruel, a fofoca impensada ou o momento de prazer. Ele espera que saibamos aproveitá-lo para a mudança de rota, o pedido de desculpas, a explicação devida. Assim como nos presenteia com a bendita semana entre o Natal e o primeiro de janeiro, quando temos calma para encerrar todas as contas, telefonar para o amigo, visitar a tia doente, arrumar todos os armários, decidir que chega de esperar por quem não espera por nós. E se ela não bastou, como foi o meu caso, não sei se por muito atrasada ou por exigir demais de mim mesma, não nos recriminemos, nem desistamos de colocar a vida em dia. Será mais produtivo trocar as recriminações por planos, montar estratégias para as mudanças que almejamos, encarar os pontos fracos nossos e os de cada relacionamento. Aceitar o corpo fora de forma, o passo em falso, a baixa auto-estima, tudo como simples constatação do processo a ser revertido.

A virada não precisa ser feita numa noite em que colocamos esperanças desmedidas, nem alardeada com foguetes festivos. Temos trezentos sessenta e cinco dias para trabalhar o nosso interior, realizar as mudanças desejadas e agradecer pelos preciosos bens possuídos. Seja este o desafio do ano que começa: o início da transformação de cada um de nós na pessoa que gostaríamos de ser.

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