17 de mar. de 2004

Ninguém me contou

A água saiu escaldando da torneira e quase dei um grito, quando queimou a minha mão. Aprendi naquele instante que o grau da temperatura era determinado pela direção da torneira. E alguém deixara aquela no máximo. Na minha bagagem de férias, não havia ungüento para queimadura e precisei correr à farmácia mais próxima, desconfortável com a dor. Tudo acabou bem, mas sobrou a lição, absorvida de muitas maneiras diferentes.

Primeiro, lembrei a velha máxima de cuidar onde e como se coloca a mão. De forma dolorosa, mas sem maiores conseqüências, aprendi para jamais esquecer. Só eu sei da minha dor; ninguém me contou. Quem sabe despertaria olhares de dúvida ou sarcasmo quem houvesse tentado me avisar? Ao abrir de maneira descuidada aquela torneira, recordei a segunda lição: procurar socorro rápido, antes que o mal aumente e se torne um problema. Aprendizado valioso, aliás, se extrapolado para outras situações corriqueiras.

Poderia acrescentar muitas outras considerações importantes e que iriam ao infinito, como estar na companhia certa, com alguém que se veste às pressas, ainda que pronto para dormir, e caminha comigo até a farmácia, para buscar o remédio. Bons amigos e parceiros são importantes, concluo, mais uma vez.

Acredito, porém, que todas as comprovações me levam a uma certeza: é preciso acumular vivências, experimentar, machucar-se e lamber as feridas, ser magoado, traído, ridicularizado _ para aprender a não cair na mesma esparrela; escolher melhor o amigo, o sócio, o confidente, o amor. Aprender a abrir com cuidado a torneira, virar a esquina, dar marcha ré no carro.

É comum aos pais o desejo de proteger as crianças e os jovens, afasta-los dos perigos. No entanto, preservados em excesso na infância e juventude, seremos presas fáceis do elogio, da sedução ou das nossas próprias carências. O amigo que trapaceou ou a amiga que roubou o namorado, na adolescência ou em qualquer tempo, ambos faziam parte das dores do crescimento. Não que cheguemos ao extremo de lhes ser agradecidos; porém, reduzi-los a engrenagens necessárias ao processo de aprendizagem proporciona certo conforto.

Quando qualquer situação não corresponde às expectativas, mesmo que se torne necessário mudar o rumo ou voltar ao princípio, porque afinal nada foi como o esperado, consola-me a idéia de estar num processo de desenvolvimento, melhorando a forma, fortalecendo as asas, preparando-me para vôos mais altos ou mais seguros. Cada passo em falso, cada engano aceito como tal, ao invés de frustração ou retrocesso, podem ser transformados em aprendizado. Basta que não brinquemos de fingir que tudo saiu perfeito, escondendo até de nós mesmos os erros de cálculo ou estratégia.

Depois, sem medo, podemos tocar pra frente. É preciso arriscar, ainda que com prudência, testando primeiro a temperatura, como hoje sei.

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