Vai o viandante pela estrada, margeando o asfalto, alheio ao movimento dos automóveis que passam velozes, aqueles também indiferentes à triste sina do homem andrajoso. Segue em passos apressados ou lentos, conforme observe o horizonte promissor ou perceba ameaças à frente. Cauteloso, com o tosco bastão de madeira experimenta o solo irregular. No meio do percurso, algumas vezes é surpreendido por prazerosas descobertas; em outras, percebe que é melhor voltar atrás ou pegar o primeiro desvio.
Assim acontece a alguns jovens, insistindo em repetidos vestibulares ou desistindo do curso, após dois ou três anos de aplicado estudo, pela certeza do equívoco na escolha; da mesma forma agem inúmeros profissionais, súbito largando carreiras promissoras e escolhendo atividades completamente diferentes, no desejo de, mais do que financeiramente, se realizarem como pessoas criativas e obterem melhor qualidade de vida; ou como também decidem diversos casais, desistindo da vida em comum, após anos de convívio conflituoso. Em suma, assim agimos todos, em diferentes situações.
Como esse viandante, seguimos nós. A vida é feita de investidas e retrocessos; alguns elogiam os que avançam, outros admiram os que voltam atrás. Dependendo das circunstâncias e do momento, a tomada de qualquer dessas atitudes exige coragem.
Cada recomeço implica em desafios e dificuldades. Pouca ajuda obtemos, no primeiro momento em que resolvemos nos atirar a uma nova empreitada, desdenhando caminhos já trilhados e fazendo o nosso próprio roteiro. Quando precisamos de alguém que nos abra portas, os outros se retraem, desconfiados do êxito. O fracasso, como doença contagiosa, causa medo. Preferimos nos acercar dos vitoriosos, como se um pouco de sua luz pudesse iluminar a nossa sombra.
Por outro lado, com a mesma surpresa com que observamos algumas portas se fechando à nossa chegada, vemos outras escancaradas num convite generoso. Cautelosos, entramos, com desconfiança similar a que seria experimentada pelo viandante, se na escuridão da noite alguém o convidasse para o aconchego de sua casa e uma refeição quente lhe oferecesse. Contudo, bem nítidas se mostram, em nossa reação temerosa, as marcas de cada desencontro ou expectativa frustrada. À medida que nos sentimos aceitos, deslocamo-nos com mais desenvoltura entre um cômodo e outro, tateando nos novos relacionamentos como em casa que recém conhecemos.
Olhamos à volta e já não estamos sós. Tímidos, à nossa retaguarda, outros avançam, também receosos de aventurar. Quando alguém consegue vencer as barreiras, seja por inovador, seja por se sobrepor às inovações às discriminações sofridas em seu tempo, além do preço que precisou pagar, arca com a responsabilidade de mostrar o rumo à turma que o segue.
Nessa hora mostramos a verdadeira face. Agora que julgamos conhecer o caminho, podemos nos considerar seguros e avançar sem receio, atirando para o lado os que, à nossa passagem, tentam se erguer. Da mesma forma, usando o poder recém adquirido, podemos lançar farpas aos que, sem sucesso, tentaram interceptar o nosso avanço, desmascarando-os. Ou podemos fazer a escolha da generosidade e do bom senso: seguir com a mesma cautela, em andar sereno, observando a colocação de cada pé, mão estendida para auxiliar os que desejam se erguer, braço erguido para apontar o caminho ao novo peregrino. Porque a estrada é longa e nos reserva surpresas.
Mas o viandante segue ao longo do caminho, talvez louco, desmemoriado ou somente infeliz, levando seus trapos na sacola suja, os cabelos desgrenhados, casacos sobrepostos para enfrentar o frio. Ultrapasso-o, permitindo-me vãs filosofias. Ele continua no seu passo firme, destino incerto, quem sabe achando graça na pressa inútil dessa mulher que pensa dominar o tempo, correndo contra ele.
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