Parece, às vezes, que a vida me empurra pra diante, meio aos trambolhões, como peão que aguilhoa um animal no brete. Sem qualquer consideração, diria. Atordoada, quase reajo: “Ei, calma! Veja a quem está empurrando”. Mas à vida não importam as minhas boas referências, como não interessariam nomes, nem títulos. A seu bel-prazer, coloca todos no mesmo saco e distribui bordoadas a esmo. Igual ao homem que se exibe no calçadão da cidade, fingindo maltratar o gato dentro do saco de estopa.
Não adianta ninguém se queixar. Mas a vida poderia ser mais generosa com algumas pessoas que insiste em castigar. O sujeito faz tudo direitinho - entra dia, sai dia - na maior paciência. Mandaram madrugar, “Deus ajuda a quem madruga”, ele acorda com as galinhas. É pra economizar, ele segue à risca a ordem. Disseram que nesta terra, plantando, tudo daria, e ele semeia o campo até onde o olhar alcance. Aí vem uma chuva de pedras e leva metade da sua lavoura ou a seca castiga tanto, que a pastagem não vem. Menos mal, quando ele também crê que “os últimos serão os primeiros”.
Outros enfrentam inúmeras dificuldades, problemas na família, doenças, casamentos fracassados, tantas petecas para segurar – e seguem firmes, escolhidos que foram para carregar o mundo nas costas. Sem questionar, esperando e querendo crer que em algum banco estejam sendo depositadas todas as suas dores, mágoas e esforços, para que um dia haja alguma forma de compensação.
Não estou me queixando, nem vou enumerar mais tragédias. O tema, aqui, é outro. Enquanto a vida nos toca por diante, de vez em quando, penalizada, ela atira uma oportunidade. No improviso, quando menos se espera, tipo “pegue ou largue”. Se caminhar só olhando pro chão e contando as derrotas, ou olhando pra trás e enumerando as razões de estar em tal situação, não verei o repentino presente. E ele vem, ainda que na forma de crosta resistente: os embates da vida nos fortalecem, os mesmos que magoam tanto.
Remoer culpas ou buscar justificativas no passado para esta ou aquela falha é exercício em que não devemos nos estender. Olhar para trás só será válido se disso retirarmos forças, risos e alegrias, como fazemos com os amigos da juventude, quando rimos enternecidos das nossas carinhas redondas e das roupas curtas ou compridas demais, nos antigos álbuns de fotografias.
Não temos o poder de comandar os fatores externos: enchentes, secas, terremotos, perdas, abandonos; sequer podemos obrigar alguém a nos amar. Sobra, contudo, o domínio das nossas emoções, a maneira como reagimos e a pessoa que, com o tempo, nos tornamos. Amargos, ressentidos, desiludidos? Ah, isso seria delegar o controle do emocional, admitir o papel de marionetes nas mãos do destino.
Alguém perguntou se não seria demasiada presunção, pretender controlar as próprias emoções. Então, retifico: sobra o esforço para controlá-las, contínuo, determinado, consciente.
Cada um tem o seu método para sobreviver; é válido cultivar mecanismos de defesa, porque às vezes a vida é muito dura e nos maltrata demais. Contudo, o tempo ameniza as dores e mostra novos caminhos. Apenas precisamos continuar caminhando, enquanto ele faz o seu trabalho. Mas falo tudo isso a propósito de nada. São meras comprovações.
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