19 de jul. de 2004

Falta de originalidade

Às vezes me invade o cansaço de saber que todos os sentimentos já foram explicados, todas as histórias escritas, gastas as palavras em mil versos e explanações. Abro o jornal e outro publicou o texto que tenho quentinho no computador, como se eu estivesse a plagiá-lo; no livro lido pela primeira vez, encontro as minhas observações, numa falta de originalidade que me desgosta. Pior que isso: coloco a imaginação a funcionar, elaboro um novo conto e, antes de sua publicação, a história acontece, torna-se realidade, a própria vida se aproveitando da minha criatividade.

Para meu consolo, parece-me já haver visto o filme inédito, tanto o enredo lembra outro; adivinho os óbvios finais com enorme facilidade. Mera demonstração de que os diretores de cinema enfrentam aborrecimento semelhante ao meu: falta originalidade neste mundo exaurido.

Raramente me deparo com o texto surpreendente, aquele que me faz pensar: Por que eu não escrevi isso? E o pensamento me ocorre com respeito e admiração, num misto de alegria por ser o outro capaz, junto com o desejo de que eu também o fosse. A isso denomino “inveja saudável”, sentimento que alguns dizem não existir.

Então, num lugar longínquo, encontro alguém idêntico ao conhecido de minha terra, ou reconheço maneirismos, jeito de olhar ou sorrir na pessoa recém apresentada. Surpresa, parece-me compreender que também na criação do universo foram utilizados os mesmos moldes, em repetidas ocasiões. Pessoas sem possibilidade de parentesco traem parecenças.

E enquanto brigo com as palavras, evoco lembranças, misturo ficção e realidade, o jogo volta a ser divertido, como numa conversa de velhos amigos, em que súbito encontramos explicações para antigas dúvidas. _ “Então eras apaixonado pela Regina? Ah, por isso naquele dia...” _ e as recordações já gastas adquirem novo sabor, acrescidas de fatos pitorescos.

Como quando reúno as palavras conhecidas, coloco uma pitada das minhas vivências e crio uma história que nem eu mesma sei quanto possui de realidade, tão perto dela a fantasia. Se publicada, talvez desperte em alguém a sensação de reconhecimento, a certeza de que os seus sentimentos podem ser compreendidos.

Palavras tranquilizam, quando nos falam de dificuldades comuns a outros. São perigosas, ao colocarem empecilhos, sem mostrar alternativas; podem consolar, quando parecem ditas para nós. Em alguns momentos, são capazes de estimular e nos fazer prosseguir; em outros, despertam riso, na atrapalhação de juntar frases e descobrir cacófatos, imaginar uma crônica, perdendo-se em rimas.

Mudo depositário de todas as palavras aceitas pelo uso e a constância, sobre o tampo de couro da velha escrivaninha, repousa o meu dicionário predileto. Se ele pudesse falar, talvez dissesse _ e eu acreditaria _ que as expressões de amor, repetidas mil vezes, nunca perdem o encanto, nem os discursos de raiva perdem a força e a eloqüência. Quem sabe acrescentaria, fugindo ao seu linguajar sisudo: embora as palavras não tenham o poder de inverter a ordem do universo, podem ajudar a efetuar pequenas mudanças, quando transmitem fé, esperança e tentam ser generosas.

Por isso continuo escrevendo, agora sem a pretensão de ser original.

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