27 de jul. de 2004

O diferente




Na Fazenda da Figueira, empresa rural localizada no interior de Pedro Osório, município no extremo sul do Brasil, ali onde o Rio Grande quase abraça o Uruguai, tenho vivido, observando a natureza. Cresce o arroz e agita sua verde promessa, a soja às vezes se encrespa, aborrecida com a falta de chuva, o milharal se ressente com a gritaria e o avanço incessante das caturritas. Mas é o mundo animal que me fascina e nele detenho o meu olhar.

No rebanho bufalino, nasceu um terneiro branco. Desde o nascimento, ele foi discriminado pelos seus pares. Rejeitado pelos outros terneiros, perseguido pelas vacas do seu grupo, só a mãe o acolheu. Sendo albino, ele mesmo terminou por isolar-se dela, preferindo a sombra do mato.

Os búfalos costumam ter um comportamento diverso do gado bovino. Possuem peculiaridades interessantes. O primeiro que eu conheci veio, com duas fêmeas, lá do interior de São Paulo. Era manso e dócil, criado em mangueira, tomando leite em mamadeira; sentimental, deixava correr uma lágrima _ verdade! _ quando alguém lhe coçava a parte superior da cabeça, entre as aspas retorcidas e afiadas. Quando inventaram de construir uma casa, ele resolveu participar da brincadeira. Enquanto duravam as obras, os pedreiros construíram uma “casinha” de madeira para lhes servir de sanitário. Pois o búfalo gostava de derrubar a casinha, estivesse ou não ocupada. Isso criou um sério problema para os trabalhadores, que passaram vários meses indo ao sanitário com a porta aberta, a fim de perceber a chegada do búfalo e sair correndo, antes que ele fizesse a sua gracinha.

Depois, conforme o rebanho aumentava, precisou ser feito um rodízio entre eles, alguns permanecendo próximos à sede e os outros em diferentes campos. Aqueles que ficavam por muito tempo longe, tornavam-se ariscos. Como são animais muito curiosos, sua aproximação causava pânico, confundida a curiosidade com agressividade. Quando o jipe parava no meio do descampado, eles acorriam de todos os lados e formavam um aterrorizante círculo negro; quando alguém resolvia caminhar, acompanhado de um cachorro, era perseguido, pois eles detestam cães.

Com o passar do tempo, começamos a compreender a sua psicologia. Búfalo com fome simplesmente troca de campo à sua vontade; cancelas comuns não os seguram: precisam ser fechadas com correntes. As vacas protegem todos os terneiros; caso percebam algum perigo, reagem em grupo, como manada.

Certo dia, tomadas todas as precauções, saímos a cavalgar. Precisaríamos passar pelo meio do rebanho, mas não tive receio, estava bem acompanhada e não levava os cães. De repente, quando próximos ao macho, notei seu olhar agressivo e ele embalou em nossa direção. Foi dado o grito de alerta e partimos em corrida desabalada, os cavalos talvez pressentindo o risco antes de nós. Olhávamos para trás, ele parara, diminuíamos a marcha, ele vinha novamente e tudo recomeçava. Quando, enfim, ele desistiu, eu já me imaginava voando por cima da porteira, o coração quase saindo pela boca. Fizemos uma volta enorme para chegar à casa. Soubemos depois que tínhamos passado perto dos terneiros, o que viola o código bubalino.

Com o tempo, fomos aprendendo a conhecer os búfalos e nos tornamos seus admiradores. Contudo, causou-me revolta o seu comportamento, ao perseguir e escorraçar o pequeno terneiro branco. Mas, como animais, eles apenas obedecem às duras leis da natureza, e, assim, o produto diferente ou fraco deve ser eliminado, a fim de evitar a reprodução.

Afastado do grupo e de sua própria mãe, ele veio parar no piquete em frente a casa, onde uma vaca holandesa o adotou sem problemas.Agora ele é muito mimado, conduzido com calma pelos peões e mesmo fotografado. Até uma crônica foi escrita em sua homenagem. Seus problemas de identificação talvez sejam compensados pelas regalias obtidas. Afinal, ser diferente pode ter compensações.

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