Às vezes, referem-se a mim como escritora,. Se me tirassem uma foto, nesses momentos, decerto eu apresentaria um tal ar de dúvida, espanto ou riso que, daí em diante, ninguém mais leria o que escrevo. Não me considero escritora, escrevo para melhor elaborar meus sentimentos. Também pelo prazer de me comunicar e, através das minhas vivências, identificar-me com os outros.
Sentindo-me usurpadora involuntária de um título a que julguei não ter direito, empregado em relação a minha pessoa por generosidade alheia, recorri ao dicionário, atrás do significado real da palavra “escritor”. Lá encontrei: ”aquele que escreve; autor de obras literárias”. Pronto, já me senti melhor, inclusive pertencente a uma enorme irmandade. Para ser escritor, basta escrever e quase todos, mal ou bem, escrevemos.
Títulos são rótulos. Uma amiga me disse que primeiro foi a neta do fulano, depois a filha do sicrano, virou a mulher do seu marido, a mãe do filho e enfim, um dia, ela atendeu o telefone e a voz do outro lado perguntou se era a avó do seu neto. Rindo, ela me disse que gostaria de ser ela mesma, alguma vez.
Mas, nesses meus arroubos de escritora _ agora assumi! _ volta e meia alguém me solicita um currículo, para enfeitar alguma página, principalmente em lugares onde sou conhecida apenas através das minhas crônicas e, dizem, os leitores gostariam de me conhecer melhor.
Imagino que todos perguntam por formação universitária, mestrados e doutorados. Como não possuo tais títulos, tento fugir à empreitada, com o argumento brincalhão e sincero: “Sofro de falta de currículo”.
Contudo, mais uma vez sou salva pela generosidade alheia. Com os dados colhidos aqui e ali, pescando algumas informações dadas anteriormente por mim, outras descobertas não sei onde, as pessoas interessadas fazem o desejado currículo, sem uma nota falsa e até bem interessante.
Da mesma forma que a princípio me surpreendeu o fato de alguns leitores apreciarem as minhas crônicas sobre o cotidiano, por recear que fossem óbvias ou banais, também me surpreende e encanta a aceitação do ser humano – eu, no presente caso _ com as minhas deficiências e falhas, o meu lado prosaico. Isso me faz pensar que o mundo ainda aceita e talvez até aprecie a sinceridade, a clareza, a falta de dubiedade e a negativa de a gente se esconder atrás de meias-palavras. Ou fingir ser o que não é.
Por outro lado, tenho aprendido muito e sido surpreendida inúmeras vezes, desde que me aventurei a publicar as minhas impressões e as vivências. Pessoas interessantes têm me contado suas histórias, fazendo-me rir das suas trapalhadas como eu as deixo rir das minhas.
Um dia desses, pensei que eu gostaria dissessem de mim a frase que ouvi em relação a outrem: “Ele é gente” _ como se isso explicasse tudo. Então, talvez eu deva, se me for solicitado um novo currículo, colocar apenas: “Marta é gente”. Cada um poderá fazer a sua leitura e aposto que ouvirei fantásticas histórias de identificação e mais uma vez compreenderei que eu já possuo todos os títulos que preciso.
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