26 de nov. de 2004

Caridade

O título do artigo chamou a minha atenção, por não ser assunto usual do cronista. Como implico um pouco com essa palavra, caridade, que sempre me parece trair um ranço de falsidade ou autopromoção, li o texto do início ao fim. Depois, procurei a palavra no dicionário, porque também não me agradava a idéia de ser preconceituosa, e realmente vi que não há nada demais em alguém desejar ser caridoso.

Entre vários outros significados, caridade é virtude que procura agradar a Deus e aos semelhantes. Então, tudo bem, nada contra. Embora eu continue preferindo o vocábulo “solidariedade”,que me parece coisa de iguais, ninguém se colocando num patamar superior, pelo simples fato de estender a mão a outrem.

Solidariedade significa a minha compreensão de que os papéis são esses por mera brincadeira do destino; a mão que doa poderia ser a pedinte, se a situação fosse outra.

Mas, a referida crônica me fez pensar. Ao ver o menino fazendo o seu malabarismo, na sinaleira, sob uma chuva fina, o cronista, sensibilizado, deu-lhe uma moeda, coisa que não era costumeira sua. Logo após, ele pensou quão pouco lhe custaria, se todos os dias ele desse uma moeda a alguma criança. Indo adiante, imaginou como o mundo seria melhor e mais justo, se todas as pessoas que tivessem possibilidade dessem uma moeda por dia, numa sinaleira qualquer.

É possível, num momento mais sensível, que a todos ocorra esse pensamento. Eu mesma, que tenho por norma não distribuir esmolas na rua, já fui capaz desse gesto, num dia de chuva incômoda ou à saída de uma padaria. No entanto, sei, com absoluta certeza, que aquilo não foi caridade. Pode ter sido acomodação, necessidade de tranqüilizar a minha consciência, culpa por vestir roupas secas e estar bem alimentada. Caridade, não.

Distribuir um pouco do que me sobra não me faz uma pessoa melhor. Seria generoso, no meu conceito, aquele que dividisse o bem que lhe faria falta, o pão com que contava para matar a fome, a roupa que precisava para vestir amanhã. Mas isso seria exigir muito de nós,egoístas mortais.

Contudo, ainda que fosse caridoso distribuir esmolas nas sinaleiras, não seria prático nem razoável. Porque a miséria só aumenta, acobertada pela falsa caridade. Ainda que, inúmeras vezes, seja necessário o primeiro prato de sopa, antes de iniciar qualquer trabalho de conscientização ou profissionalização, continua sendo mais importante ensinar a pescar que dar o peixe.

Por outro lado, atitudes solitárias não alcançam grande efeito. Há inúmeras instituições não governamentais preocupadas em minorar as diferenças sociais, com os seus atendidos devidamente cadastrados,para evitar injustiças. Seria mais eficiente qualquer auxílio de nossa parte se fosse entregue diretamente a essas _ mediante recibo, naturalmente.

E ainda mais eficientes seremos, quando aprendermos a cobrar dos nossos governantes medidas sociais saneadoras, em lugar das pretensamente caridosas.Nesse dia, saberemos que a solidariedade social se tornou parte da nossa natureza.

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