25 de dez. de 2004

O aniversariante

Papai Noel entrou na festa de Natal e tomou conta. Veio carregado de presentes: celulares, camisetas esportivas e camisas sociais, trufas de chocolate e bombons recheados com cereja, porta-retratos e até uma bicicleta. Chegou falando “Oh, oh, oh”, daquele jeito que só ele sabe; encantou as crianças, ouviu suas explicações sobre não terem se comportado como deveriam. Sentadas em seus joelhos, elas alisavam as longas barbas brancas, encantadas com o vermelho da vestimenta tradicional.

Em seguida, chegaram os anjos. Nas mensagens trocadas entre os internautas, anjos distribuem paz, amor, saúde, sucesso e o que mais o remetente lembrar. Por isso, eles dividem o espaço com o Papai Noel, que, bonachão, segue achando em tudo muita graça.

Duas bruxinhas forçam um pouco a entrada, querendo participar. “São bruxas boas e foram convocadas”, é o seu argumento.Uma traz o amor; outra, a felicidade, enfeitada com o laço da esperança. Como o momento é de confraternização, sua entrada é permitida e as duas se põem a circular, conquistando adeptos para o mundo de incenso, velas e bruxarias.

A princípio, Papai Noel estava um pouco constrangido, sem entender a insistência em trocarem o seu nome. Afinal,na distante Ásia, foi batizado como São Nicolau, ele lembra com certeza; não está tão velho que o próprio nome vá esquecer. Já precisou se adaptar à mudança da data para a entrega dos presentes: na Idade Média, o dia escolhido era 6 de dezembro, data da sua festa litúrgica; depois, lentamente, a partir da Inglaterra, passou para 25 de dezembro. É isso o que dá, viver demais. Também aceita que alguns o façam entrar pela lareira, outros o obriguem a controlar aquele trenó maluco, conduzido pelas renas agitadas. Acha um pouco aborrecido vestir roupas quentes, em pleno clima tropical, mas ainda se enternece com a alegria dos pequenos, quando do velho saco retira um presente inesperado.

A árvore, enfeitada com bolas coloridas, anjos dourados, miniaturas de Papai Noel, tem bengalas de chocolate e outras guloseimas, que serão retiradas aos poucos pelas crianças da casa. Por algum adulto, também. A mesa, coberta com uma toalha de renda branca, mostra travessas de peru, sarrabulho, purê de maçãs, saladas com nozes e passas, sinais de que a anfitriã lembrou o gosto de cada convidado.

No canto da sala, num pequeno presépio, dorme o aniversariante, motivo da festa. Ele nasceu num estábulo, teve por berço a manjedoura. Contam que seus pais, Maria e José, bateram em muitas portas, pedindo abrigo, pois era chegada a hora do seu nascimento.Ninguém teve a coragem de deixar entrar aqueles dois estranhos. Um homem ofereceu a sua estrebaria e, lá, entre vacas e burrinhos, nasceu Jesus. Uma estrela avisou ao mundo o grande acontecimento, por isso os Reis Magos fizeram longa viagem, carregados de presentes, para saudar o Salvador da humanidade.

Há dois mil anos essa história aconteceu. Crianças continuam abandonadas pelas ruas, mulheres grávidas e andrajosas recebem olhares de desaprovação, ouve desculpas esfarrapadas o homem que pede um trocado para comprar o remédio do filho, tão descrentes todos das causas da miséria. Se um casal desconhecido bater à porta, pedindo guarida, talvez ela seja mal entreaberta, com receio dos marginais. Por isso o Menino dorme, alheio à festa. E os convidados brincam de acreditar em Papai Noel.

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