A conversa à volta da mesa de refeições envolvia política e turismo. Com voz serena, o convidado, recém chegado ao Brasil após permanência de muitos anos em outras terras, colocou a razão do seu assombro:
_ Fico impressionado como aqui todos se acostumaram a conviver com a violência. Colocam grades nas casas, película protetora nos vidros dos automóveis, contratam seguranças, deixam de sair à noite, desistem de comprar certos bens, com a maior naturalidade._ Ele calou e eu fiquei pensando, também assombrada pela nossa acomodação e o absurdo do dia-a-dia.
Absurdo é considerar normal uma situação absurda, pelo simples fato dela ser corriqueira. Quando temos a oportunidade de nos afastar um pouco da nossa realidade, conseguimos vê-la sob novo ângulo. Ou quando somos receptivos aos comentários de pessoas distantes deste nosso pequeno e viciado mundo. Então, uma luz parece abrir as nossas idéias.
A violência iniciou nas capitais, generalizou-se e se instalou também nas pequenas cidades. Fizemos como ele falou: encerramo-nos em nossas casas,com alarmes, cercas elétricas, grades e cães ferozes.
A princípio, julguei ser esse o ônus pela modernidade.No entanto, além das nossas fronteiras, para qualquer lugar onde se vá,o quadro é outro. Quando, em viagem, o guia turístico avisa para cuidarmos bolsas e carteiras, descobrimos que essa é a violência lá fora _ ela não envolve agressões corporais, seqüestros, assaltos à mão armada para roubar um par de tênis ou um relógio. Caminhamos por ruas cheias de transeuntes, tarde da noite, em grandes metrópoles, sem qualquer sensação de insegurança. Embarcamos em transportes públicos, somos um na multidão de turistas, descuidados e sem receio.
Quando, intrigados, observamos os vidros escurecidos de todos os automóveis, alguém explica que lá é para proteger do sol excessivo. Dessa forma começamos a desconfiar que há algo errado conosco: sobrevivemos em meio a uma guerra urbana.
Então, quando o assunto “turismo no Brasil” vem à baila, com os comentários de quão fraco é, em comparação aos outros países, embora a inigualável beleza natural, alguém argumenta que a culpa é da nossa própria propaganda negativa, pois mostramos ao mundo as cenas da violência em nossas principais capitais. Deveríamos escondê-las, argumenta.
Isso é bem típico nosso: tentar tapar o sol com a peneira. Mas,lúcido, alguém contesta: _ “Quanto a mim, sempre que tenho oportunidade, desaconselho os estrangeiros a nos visitarem, nesse momento. Eles são muito ingênuos para enfrentarem as nossas ruas”._ Sem poder revidar, todos calam, envergonhados.
Eu também, calada, sinto o desconforto da compreensão de que algo está errado, enquanto mil perguntas atordoam o meu imaginário. No âmago da amarga questão, brilha o desejo urgente de eu novamente sentir orgulho da minha cidade, do meu estado, do meu país. Muitos sentem como eu, mas ainda somos vozes esparsas. Quando milhares de pessoas sentirem essa necessidade, a nossa voz será ouvida e então teremos o Brasil que merecemos.
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