6 de nov. de 2004

Sinal verde

A voz máscula canta,no som do automóvel, referindo-se às suas desilusões amorosas: “Seguí en frente e traté de ser dichoso”. Em espanhol, todas as frases ficam românticas e profundas, por isso deixo o CD fluindo, as mesmas músicas repetidas inúmeras vezes, sem que eu me detenha muito em seu significado, mais embalada pela melodia das palavras; essa, contudo, perdurou no ouvido, como os acordes prolongados de um sino que badala ao longe e fica retinindo, sem desejar morrer em vão.

As propostas e emoções implícitas na mensagem musical ocuparam por um instante o meu pensamento, enquanto o semáforo continuava vermelho para mim. Continuar, pareceu-me a idéia.Suportar desilusões, malquerenças, frustrações, passos em falso,puxadas de tapete, tropeções e ainda assim seguir em frente.

Mudar de casca quantas vezes for necessário, reciclar-se, renovar-se, começar tudo de novo. Aprender a evoluir apesar das fraquezas, talvez até adquirir a capacidade de nelas achar graça, surpreendendo alguém que esperasse nos ver alquebrado. Tudo isso é necessário, pois é preciso seguir, me diz essa música.

Contudo, a sua principal mensagem é que, além de ir em frente, é preciso ser feliz. Esse é o soco no estômago que nos obriga a reagir. Não basta fazer tudo direitinho e continuar com as mesmas lamúrias e queixas, ressuscitando ou procurando culpados _ seja para a solidão, para o fracasso ou para o que afinal não saiu como o sonhado. Não dá para deixar a nossa felicidade congelada em algum lugar do passado, como retrato antigo conservado em lugar de honra, aquele instante ímpar em que fomos a rainha do baile, fizemos o discurso de formatura, tínhamos uma maravilhosa turma de amigos, papai e mamãe eram vivos e nós, crianças protegidas e inocentes. Quando a vida parecia tão simples e o futuro era uma peça à espera da nossa entrada triunfal. Ou quando era outra a realidade e folhear velhos álbuns não era um exercício de saudade.

Nem sequer é possível dar corda para trás no relógio e refazer o mal-feito. O que passou, passou, simplesmente. Agora é tocar pra frente e tratar de ser feliz. Assim como quem zera o velocímetro e começa tudo de novo. Com disposição para acertar o caminho, do passado levando as coisas boas na bagagem, usando como bússola a aprendizagem adquirida com os muitos erros e enganos. Assimilando as perdas, mesmo se for necessário parar um instante para colocar tudo na balança e chegar à conclusão de que, no final das contas, valeu a pena. Até é permitido chorar um pouquinho pelo que deixou de existir ou pelo que poderia ter sido e não foi. Ou chorar muito, se alguém sentir que é necessário, mas não por tanto tempo que se torne costumeiro e razão de ser.
Então, a melodia acabou, o sinal ficou verde e eu segui.

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