Algumas vezes, ouço histórias que preferia não saber, conheço duras realidades que desejaria desconhecer. A verdade crua e nua lá está, mas eu preferia ser poupada dos detalhes sórdidos, conservar a minha inocência, falar de flores e aspirar perfumes.
Preocupo-me comigo e as minhas reações, desejo proteger o meu mundinho, mantê-lo a salvo. O meu desejo é gritar: “Não falem! Não quero saber”, depois tapar os ouvidos, fechar os olhos. Pular rápido pra cima do muro. E só voltar a tocar no assunto, se for possível jogar aos outros a responsabilidade.
Essa é a reação inicial de quase todos nós, quando alguém nos conta as suas misérias ou o drama que foge à compreensão. Ou quando transpomos o portal de um presídio feminino, como certo dia me aconteceu, e lá encontramos uma jovem de sorriso triste, que nos leva a dizer, à saída:
_ Te cuida!
Para ouvirmos a inesperada resposta:
_ É, aqui dentro a gente tem que se cuidar mesmo.
Nesses momentos, a vontade é sair, lavar as mãos e fingir que nada aconteceu. Precisamos voltar ao nosso refugio, ligar bem alto o som, para não ouvir as batidas insistentes do nosso próprio coração.
Enquanto mundos desmoronam, à minha volta, fico aqui, quietinha, acreditando estar protegida. Em todas as circunstâncias, mantenho-me omissa, ausente. Se não chamar a atenção,nada sobrará para mim. A omissão é a nossa fraqueza. Fechar os olhos e fingir que tudo continua igual é a nossa incoerência.
Quando menos esperar, talvez eu me descubra no caldeirão, fervendo junto com as minhas utopias, as fantasias cor-de-rosa. Porque há um mundo cruel, insano, injusto, dentro de outro, que acredito existir ainda. Esse é feito de pessoas de boa-vontade, generosas, amigas, desprendidas e prestativas. Convivo com essa gente em diferentes lugares, exercendo a solidariedade no seu dia-a-dia, sem alarde ou foguetes. Em diversos jornais, leio manifestos sobre ética, amor ao próximo, preservação de valores esquecidos. Há uma sociedade que clama por isso.
Mas, bem próximo a nós, existe o outro mundo, habitado pela miséria moral ou pecuniária. Por qualquer estranho acaso, ficamos do lado de cá. Um deslize, um passo em falso e tudo pode mudar no correr de uma noite.
Foge à minha capacidade intelectual a compreensão do método divino para a escolha de quem deveriam ser os favorecidos e quem os desprotegidos. Não me compete julgar, também. Mas, ainda que desejássemos permanecer alheios e na pretensa segurança de um falso paraíso, a simples comprovação dessas diferenças já nos torna responsáveis pelo processo de mudança ou cúmplices por sua manutenção.
Talvez seja essa a razão do meu desconforto. Contaram-me histórias que eu preferia ignorar, mostraram-me a realidade que seria cômodo desconhecer. Fui empurrada para o meio do salão e me vejo obrigada a entrar na dança.
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