A vida parece nos pregar peças. Algum gênio espirituoso brinca de dar e tirar, jogar para o alto e atirar ao chão, misturando aplausos e lágrimas, sucesso e derrota, dores e risos. Mudanças podem ocorrer a qualquer instante; é preciso estar sempre preparado, sem cair no extremo oposto de viver à espera de tragédias que podem não ocorrer. Ou, pelo menos, demorar muito.
O homem falou que, mesmo atordoado pela perda sofrida, não conseguia sentir pena de si mesmo, só sentia martelar o pensamento de que não era melhor que ninguém. E simplesmente agora era a sua vez de sofrer e perder. Se isso ocorria com todos, por que não ocorreria com ele?
Enquanto ele falava, compreendi a pretensão humana de sempre considerarmos a nossa desgraça maior que a dos outros e me questionei sobre o motivo de nos sentirmos injustiçados, quando as coisas não correm como pretendíamos.
No momento em que a dor quase o derrubou, ele olhou as pessoas que procuravam consolá-lo. Viu mães que perderam filhos jovens, meninos que ficaram sem pai na hora mais necessária, viúvas na flor da idade, velhas senhoras que enterraram o único arrimo, homens com roupas mal cuidadas, por não saberem viver sem a companhia feminina. Olhou-os a todos, através da névoa de sua dor, e se sentiu irmanado, pertencente à humanidade. Até agora, fora poupado, mas havia chegado a sua hora. Ela sempre chega.
Quando sobra para o nosso lado, é o momento de provar a veracidade do discurso. Enquanto as coisas ruins acontecem à volta, podemos dar palpites, ajudar, mas na verdade não vivemos a experiência em toda a sua plenitude; falta-nos a percepção real de como reagiríamos, em tais situações. O íntimo de cada um se desnuda diante de suas perdas, sejam essas de pessoas, de coisas materiais ou as mais íntimas: as formas do corpo jovem, o rosto sem rugas, o vigor físico, a independência, a liberdade.
Cada perda cria um novo ser: antes ou depois. Todas podem significar renovação; depende de como as vivemos, se a escolha foi por nos fecharmos dentro da nossa amargura ou pela libertação de enfim nos conhecermos e aceitarmos.
O perigo maior, na desventura, talvez seja o de ficarmos presos ao centro do nosso universo, convencidos de que tudo gira em torno a nós, o próprio umbigo transformado no deus que queremos impor aos outros: só existimos nós e a nossa tragédia.
Tornamo-nos, nesses casos, aquele tipo de pessoa que os outros carregam por algum tempo, um ajuda daqui, outro apóia dali, mas breve todos estarão prontos para passar o peso adiante, para cada um voltar a cuidar da sua vida. No dia-a-dia atribulado, não sobra muita energia para os problemas alheios. Logo, cada um volta a cuidar dos seus. Sobramos nós, agora com a certeza de que não somos mais, nem menos que ninguém, e se sobrou algo desagradável para o nosso lado, é porque foi a nossa vez. Apenas isso, sem chantagens emocionais ou melodramas.
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