Na juventude, criamos imagens do futuro como longa estrada, onde os percalços e dificuldades serão holofotes para o nosso esplendor; acreditamos que, reconhecidas e valorizadas as qualidades que sabemos possuir, conseguiremos nos destacar da massa anônima. Ainda que tímidos, introvertidos, temos o sentimento de que, um dia, todos – pai, mãe, ex-namorada, amigos reais e os outros – irão reconhecer o gênio com quem conviviam. Essa certeza acalenta nossas horas de “menos valia” e faz com que consigamos sobreviver. Talvez até nos impulsione a ser, realmente, um pouco daquilo que sonhamos.
Na idade madura, cada um julga conhecer o seu potencial. O percurso percorrido traz a consciência de armadilhas inesperadas, ataques em esquinas aparentemente seguras, possibilidade de queda a qualquer momento. Sem o destemor e o arrojo de antes, avançamos com cuidado, medindo os passos. O perigo pode espreitar num objeto colocado em lugar diferente, na ponta erguida do tapete, na luz que decidimos não acender; ou, mesmo, na condescendente atitude dos familiares, a nos dizer que nosso poder de decisão tem sua força diminuída dia a dia.
Na juventude, a gente aprende se batendo,machucando, perdendo pedaços. Um dia, descobrimos que não somos imortais. Morre o amigo num acidente de motocicleta, a amiga é estuprada na saída da festa, outro bebe demais e se mete numa briga, com consequencias desastrosas. De repente, o mundo deixou de ser um lugar de brincadeiras e inconsequencias.A tatuagem precisa ser escondida, o piercing deve ser retirado, na hora de procurar o primeiro emprego.As respostas que faziam o deleite da turma, quando dirigidas ao professor, não podem ser dirigidas ao chefe. Um novo comportamento precisa ser aprendido.
Na maturidade, corremos o risco de nos resguardar demasiado, fugir da luta, não dar mais a cara para bater. Desejamos colocar numa redoma segura os nossos amores e os nossos bens, manter o coração protegido das emoções fortes. Conhecemos todos os perigos, as malquerenças, as traições, o melhor é evitar novos contatos, fugir das novidades. Por medo, quase nos preservamos de viver.
Deve haver um meio-termo entre o arrojo da juventude e a falsa calmaria da maturidade.Procuro por ele, ora me escondendo para não ser vista, ora avançando com determinação, ora tropeçando nos próprios pés.
Em algum cantinho no nosso íntimo, permanece a criança destemida e sonhadora que um dia existiu. Ela é a guardiã da crença em nós mesmos. Abafada por camadas de respeito humano e pelo medo de errar, luta por sua liberdade. Num dia desses, de sol forte, quando estiver meio desocupada, vou puxar a certeza lá de baixo, arejá-la bem, polí-la com o feltro da maturidade e renovar o seu esplendor. Depois, eu me enfeitarei com ela, como quem joga uma mantilha sobre os ombros e se sabe linda. Assim, sairei para conquistar o mundo.
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