5 de nov. de 2005

Nunca mais

Nunca mais ouvir a sua voz, olhar o seu rosto. Nunca mais adormecer aconchegado ao corpo quente, o rosto escondido entre os cabelos dela. Nunca mais poder esfregar o nariz em seu pescoço, à procura do perfume conhecido, ou escutar o seu riso, promessa de outros prazeres. Homem e mulher sofrem a perplexidade de tantos “nunca mais”, distanciados de pessoas e situações perdidas lá atrás.
Em certa altura da vida, embora a contragosto,aceitamos que nada dura para sempre; ainda que alguns sentimentos ou condições sejam preservados, as mudanças são naturais, porque as pessoas mudam, e o que ontem servia hoje talvez já não agrade.
Então, estamos combinados: “para sempre” é apenas uma expressão otimista.Já o “nunca mais”é difícil de aceitar ou compreender.
O tempo nos leva de roldão, em sua pressa desenfreada. Por isso alguns caem nas curvas violentas e demoram a perceber que foram esquecidos. Outros parecem acompanhar, mas ficam repetindo: “No meu tempo...” - e a gente sente, no apego ao passado, que se deixaram ficar.
O tempo nos carrega até onde lhe interessa, mas se desfaz de nós sem-cerimônia, quando deixamos de acompanhar seu ritmo. Os instantes se perdem, no turbilhão de dias e acontecimentos, enquanto ele leva seres queridos e muda situações. Algumas pessoas permanecem nas nossas recordações, tornam-se parte da nossa história, fantasmas com consentimento para nos acompanhar. Outras descartamos, como as personagens cujos nomes esquecemos ou as fotos de desconhecidos encontradas em velhos álbuns. Perdura o que foi pleno de significado.
Mais que expressão, “nunca mais” é sentimento, perda, dor pelo que não voltará ou pela oportunidade que passou, sem que a pudéssemos entender. Há momentos fugazes de ternura e possibilidade de encontro, perdidos por acreditarmos possuir todo o tempo do mundo. Há frases dispersas, cujo final jamais saberemos, por não lhe termos compreendido a importância. Há histórias familiares, esquecidas no passado, porque não prestamos atenção, quando quiseram nos contar.
Um dia, lembramos as prolongadas discussões sem sentido e não temos a quem pedir desculpas, ou desejamos continuar a conversa esclarecedora e, agora que somos ouvido atento, calou-se aquela voz.
As pilhas de “nunca mais” acumuladas em nossas lembranças são ervas daninhas roubando a nossa seiva, tristezas cravadas como espinhos na carne, dedos acusadores apontados por nós mesmos. O “para sempre” só existe nas lembranças que não deixamos apagar; mas, como acontece com aquelas fotos antigas, também elas vão ficando esmaecidas, substituídas por outros acontecimentos e pelos novos rostos em cena.
Sobra o momento presente, esse pelo qual sou responsável. A consciência da inexistência do “para sempre” e da inexorabilidade do “nunca mais” faz com que ele se revista da maior importância. É passageiro e escorre pelos dedos, mas é meu e preciso desfruta-lo.

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