17 de dez. de 2005

O gato morreu

“Para sempre” não existe – escrevi, em outra crônica, lembra? Referia-me à compreensão que vamos adquirindo, ao longo da vida, de que esta é apenas uma expressão otimista, desejo de perpetuação colocado em palavras, transformado em promessa difícil de cumprir.
Pois, continuando o exercício de memória, gostaria de lembrar a história do homem que foi viajar e deixou o seu gato aos cuidados do melhor amigo. No meio da viagem, recebeu o lacônico telegrama: “O gato morreu”.Extremamente chocado, ao retornar, reclamou ao amigo:
_ Pô, cara, não podias dar a notícia assim. Tinhas que preparar o espírito.
_ Como, preparar o espírito?
_ Ora, podias começar devagar: “O gato subiu no telhado”; depois: “O gato caiu do telhado”. Por fim, davas a notícia: “O gato morreu”. O choque não seria tão grande; no terceiro telegrama, eu estaria preparado.
_ Tá bom, entendi, desculpa.
Novamente o homem foi viajar e, lá adiante, recebeu um telegrama do mesmo amigo: “Tua avó subiu no telhado”.
Entre a dificuldade de aceitar o “nunca mais” e a compreensão da inexistência do “para sempre”, o ser humano criou o “dar um tempo”, como saída emergencial. As pessoas “se dão tempo” para colocar as idéias em dia, saber se escolhem este ou aquele caminho, se fazem aquela viagem, se vão morar sozinhas, se mudam de emprego, se dizem a verdade, doa a quem doer. Até para enfrentar o vestibular, após concluir o segundo grau, alguns dizem precisar de “um tempo”. Dar um tempo é parada para pensar, preparação para não sabemos o quê. Pode ser para a aceitação dos fatos que nos entristecem e por isso precisamos assimilar aos poucos, como a morte do gato. Ou como tantas outras perdas,muito mais catastróficas.
Quando o amor acaba, às vezes alguém pede um tempo, por covardia ou consideração, sabendo que o tempo de ambos já passou. Para não enfrentar a dureza do “nunca mais”, finge acreditar na possibilidade do retorno. Envia o primeiro telegrama, na linguagem mais delicada possível, e o outro, ao recebê-lo,agarra-se à esperança. A distância e a saudade, muitas vezes, fazem o papel de Cupido, mostrando a importância do relacionamento. Quando isso não acontece, outros telegramas são enviados e, pouco a pouco, a pessoa começa a se acostumar com a idéia do fim.
Quando as situações sofrem transformações, sem prévio aviso, a surpresa altera o nosso ritmo e nos faz perder o passo. Pedimos uma trégua à pressa da vida, a fim de nos enquadrarmos novamente. Toda trégua é difícil de administrar: se menor do que a necessária, saímos aos trambolhões, precipitando os acontecimentos; se demasiado longa, a tendência é ficarmos esquecidos, substituídos por outros mais rápidos.
Mesmo assim, precisamos nos dar um tempo, em certos momentos. Tempo para olhar para dentro de nós mesmos, como quem se debruça sobre o berço e olha o bebê. Tempo para nos pegar ao colo, acalmar as dores e embalar os sonhos.

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