24 de dez. de 2005

Um presente especial

No Natal e no aniversário, costumo me dar algum presente. No meio das múltiplas escolhas para os outros, de repente algo me atrai e penso: “Este é para mim”. Pode ser um pinheirinho verde dentro do vaso, um lenço com a inicial bordada, um marcador de livro ou quem sabe uma caneta dos camelôs; não precisa ser coisa grande, nem de muito preço.
Neste final de ano, resolvi me proporcionar um presente especial.
Animada, dei mãos à obra.Inúmeras coisas almejadas independem da nossa vontade, por isso não perdi tempo com elas. Comecei resolvendo o problema trivial do uso comunitário da pasta dentifrícia. Em lugar de precisar fazer um esforço mental, a cada vez, para apertá-la no lugar devido, simplesmente comprei outra e agora cada um tem a sua e a aperta do jeito que quiser.
Logo ataquei o caso dos óculos de grau. Cansada de perdê-los vezes sem conta, obrigando-me a procurá-los pela casa toda, até encontrá-los nos lugares mais improváveis, decidi deixar de bobagem e prendê-los a uma correntinha. Medida sábia, com a qual tenho poupado muito tempo e irritação. Com o perdão da amiga que a desaconselhou, por considera-la recurso de gente idosa.
Outra situação incômoda é ter que me vestir correndo, porque estou atrasada e alguém me alerta que deseja chegar na hora marcada no convite. Foi óbvia a constatação da necessidade de começar mais cedo o processo, já que mulheres demoram mais a se arrumar e outro tanto até se acharem bem. Encantada com os resultados obtidos, logo adotei o hábito de, em ocasiões importantes, experimentar com antecedência a roupa que pretendo usar. Isso para evitar catástrofes de último momento, tipo descobrir que a balança digital não estava errada e, para piorar, a blusa mostra todas as gordurinhas que o regime de uma semana não conseguiu diminuir.
Interessada na elaboração do presente, comecei a prestar atenção nas situações que me deixavam tensa ou mal-humorada. Não cheguei ao extremo de colocar o adesivo NO STRESS no automóvel, mas percebi que os aborrecimentos tendem a crescer, quando opto por ignora-los, por isso adotei o costume de enfrentá-los na raiz. Em algumas ocasiões, caso envolvam outras pessoas e essas não concordem com a minha opinião, pareceu-me boa técnica, em vez de lutar para evitar o previsível desfecho, simplesmente deixar acontecer, para o outro ser convencido pela realidade. Ou para eu descobrir que ele é que tinha razão.
Como essas, outras pequenas mudanças fazem parte do presente que resolvi me ofertar. Pequenas ao ponto de quase não as detectar, mas com grande capacidade para se tornarem motivo de atrito e irritação. Misturadas a elas, quase perdidas no alvoroço dos dias, encontrei pessoas e momentos importantes, merecedores de serem preservados. A quem poderei dedicar a energia poupada com os atritos e aborrecimentos evitados.Ao colocar, na caixa imaginária, o presente para mim mesma, tive receio que algum curioso, abrindo-a, julgasse muito tolo o conteúdo. Então, para disfarçar, enfeitei-a com um laço dourado e escrevi, em letras grandes: PROPÓSITOS PARA UM NOVO ANO. Mas achei o nome pomposo, apaguei e troquei por TRANQUILIDADE. Como não dizia tudo, mudei para PAZ INTERIOR. As letras ficaram dançando à minha frente, embaralhando-se, algumas caíram ao chão e se perderam, outras consegui juntar e, quando vi, ali estava escrito PAZ. Apenas isso. E ela veio, enrolou-se em volta de mim, como um véu de gaze, depois se desprendeu, alçou vôo, fugiu ao controle. Compreendi que seria de quem merecesse tê-la. Inclusive eu.

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