29 de mai. de 2006

Saia justa

_ O quê? Treinaste? _ ouvi a amiga exclamar, através do fio do telefone. A sua indignação e perplexidade me fizeram rir. Ela elogiava a minha performance, ao apresentar, na noite anterior, o relato de uma experiência minha, diante de um grupo de colegas. Quando lhe respondi: “Treinei bastante”, sentiu-se traída.

Caí na risada, antes de completar: _ Claro que treinei. Treinei até me sentir segura.

Falar em público é tarefa agradável e inata para alguns poucos privilegiados. Para a maioria dos mortais, é tarefa árdua, mas que pode ser desenvolvida.Basta obedecer a alguns critérios e praticar bastante, segundo aprendo.

Falar em público com desenvoltura, não ter receio de levantar e fazer uma saudação, quando a ocasião exige, saber agradecer uma homenagem sem ficar ruborizado e tropeçar nas palavras, são atitudes que reforçam a auto-estima, porque a sua falta nos coloca numa tremenda saia justa.

As regras para falar em público são similares às necessárias a um bom texto escrito. A primeira é ter algo interessante para contar. Às vezes, a gente se engana, erra o público, e o resultado é uma platéia sonolenta. Às vezes, escreve-se coisas em que só nós achamos graça; pena que não se vê, quando o leitor atira o jornal para o lado, aborrecido.

Mas apenas conhecer as regras não basta, é preciso aplica-las. E o treinamento inclui dizer coisas inteligíveis, em voz clara, calma, em escassos minutos, para não torrar a paciência de quem se dispõe a ouvir, mas não tem todo o tempo do mundo.

Há pessoas que têm conhecimentos e experiências enriquecedoras, mas não sabem transmiti-los com clareza e objetividade. Outras se estendem além do que a paciência é capaz de suportar, aproveitando qualquer brecha para falar. Quando o orador compulsivo se ergue, pronto para iniciar a lenga-lenga costumeira, quase afundam nas cadeiras os desprevenidos ouvintes.
Falar em público parece, para alguns, uma coisa distante, típica situação em que jamais se colocarão. Mas não é isso que fazemos, a todo momento? Conversamos em casa, na rua, no trabalho. Atordoamos o funcionário com tal quantidade de ordens, que ele não é capaz de perceber a importância de cada uma; na mesma frase, juntamos tantas reclamações ao filho adolescentes, que na terceira ele deixou de ouvir; repetimos a piada, depois que o interlocutor confessa já a conhecer; acrescentamos inúmeros detalhes insignificantes, ao contar o acidente presenciado na esquina, desmerecendo-o.

A conversação é uma arte, onde o principal é saber ouvir. Se aprendermos a ouvir e prestarmos atenção aos sinais recebidos dos outros,saberemos se estamos no caminho certo, fazendo-nos entender, ou apenas aborrecendo.

No jornal, o espaço reservado cria o limite obrigatório, impedindo que o cronista se estenda demasiado.Cortamos frases supérfluas, damos ênfase a outras, na tentativa de transmitir a mensagem com clareza. Pena que o cronista não possa observar o leitor, quando lê a sua crônica. Pena que, na conversação, não exista o botão Delete.

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