Nos minutos finais da Copa do Mundo, na partida decisiva entre a França e a Itália, Zinedine Zidane, o camisa 10 francês, irritado com alguma observação do zagueiro italiano Materazzi, acertou-o com uma cabeçada e foi expulso do campo.
No momento em que escrevo esta crônica, técnicos em leitura labial julgam ter descoberto a frase motivadora da reação. Tenha ela ofendido a mulher, a mãe, a irmã ou a honra do jogador, que diferença faz? Zidane mostrou fraqueza, pisou na bola.
É bem provável que, conhecendo o seu pavio curto, o zagueiro italiano tenha agido com má fé e a certeza de alguma reação agressiva, ocasionando a saída de campo. Zidane não é primário nesse tipo de comportamento. Na Copa de 1998, no jogo contra a Arábia Saudita, também foi expulso, por ter pisado em um adversário.
Pelo seu excelente desempenho na Copa, o jogador francês mereceu o título de Bola de Ouro, mas sem dúvidas a saída da Copa foi pela porta dos fundos, na cena em que o ídolo escancarou sua fragilidade.
Zidane é humano. Materazzi o conhecia e sabia o que esperar dele. Da mesma forma, muitas pessoas nos conhecem. No círculo íntimo, pais, mães e irmãos sabem as frases capazes de nos desestruturar. Filhos, então, nem se fala. A longa convivência os faz mestres na arte de nos fazer cair do salto alto. Colegas de trabalho dão alfinetadas certeiras, despertam o homem e a mulher primitivos, camuflados sob a vestimenta de executivo. Funcionários testam os nossos conhecimentos, procuram falhas no desempenho, a cada vez que solicitamos aperfeiçoamento no seu.
Em todas as áreas da vida, sofremos contínuas exposições e somos submetidos a testes de equilíbrio emocional. Não que os outros sempre ajam de má fé ou tenham a deliberada intenção de nos ver escorregar. Eles apenas se defendem, tentam provar que também somos humanos, capazes de perder o controle, dizer impropérios, esquecer a educação recebida. Desejam nos colocar no mesmo barco, mostrar que não somos melhor que ninguém, desfazer a pose de autoconfiança com um pontapé nos fundilhos.
Podemos fazer como Zidane e sair dando cabeçadas por aí, sob o argumento de que não levamos desaforo para casa, comigo ninguém pode, sou mais eu, essas coisas estúpidas que os outros nos fazem dizer, quando conhecem o botão desencadeador do nosso besteirol.
Ou cerrar os dentes, sair de fininho, deixar para depois. Se a frase escolhida pelo outro nos atingiu com o impacto de uma bola recebida em pleno peito e nos deixou quase sem ar, não adianta revidar, devolver a bola. Estamos fragilizados, ela não terá o mesmo efeito devastador.
Quando revidou, Zidane atribuiu importância à ofensa recebida. Se houvesse conseguido se conter, o outro é que se saberia cretino. Se cada um de nós, no momento em que se sentir atingido, como resposta apenas encarar o outro, olho no olho, sem nada dizer, que efeito terá tal atitude? Um olhar para o outro decifrar como quiser, com certeza um gol para nós.
4 comentários:
Marta!!
Gostei do bola de ouro!
Tua escrita continua fluida, ótima. E a sensibilidade é aquela, marcante!
Parabéns!
Beijo da tua admiradora de sempre!
My lovely, venho pronta para o Pavediceia que deves servir hoje. Gostei da cronica de hoje.Oportuna como sempre. Sou fã do Zizou(como eu o chamo na intimidade).Acho que ele sempre foi um LINDãO,SEXY e CHARMOSO.Mas sua careca sempre me deixava impressionada:vasta,intensa,poderosa."Para sera que serve?"Agora ja sei!
Marta!
Demorei para "assumir" um blog e pelo visto, você também. Com sua característica temporal, como periódicos em papel, no blog pode o autor de contos/crônicas aproveitar melhor os momentos, o registro de efemérides que sinalizem inspiração para os textos.
Isso aviva a produção e mantém a atividade, forçando um natural aprimoramento pela simples prática.
Então, viva o blog!
Sérgio Grigoletto
Marta!
Muitas vezes senti vontade de ser como o Zidane,em situações drásticas, mas consegui me conter e, acredito, saí ganhando...
Ruthe
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