10 de ago. de 2006

Cruzeiro de retorno ao Brasil

No dia combinado, embarcamos no navio para o retorno ao Brasil, com partida de Lisboa, passagens pela Ilha da Madeira, Ilhas Canárias, Cabo Verde, chegada ao porto de Recife e descida pela costa brasileira até Santos.

Externamente, embora imponente, o transatlântico não é bonito. Por dentro, a impressão muda. A nossa cabine é uma grata surpresa: externa _ com vista para o mar, portanto _ de bom tamanho, com direito a uma mesinha redonda e duas poltronas; bastante acomodação no armário, na cômoda e nas diversas prateleiras, todas com a borda necessária para a contenção dos pertences, caso o mar se mostre agitado. Somos recepcionados com um arranjo de flores e uma cesta com frutas, no camarote.

No correr dos dias, descobriremos que o fato de ser uma cabine externa, nesse caso, não foi de grande valor. Precisaremos conservar a cortina sempre fechada, pois a janela dá diretamente para o convés onde os passageiros costumam sentar para tomar sol, além da circulação normal. Para o quarto não ser devassado por olhares indiscretos, perderemos a vista externa.

Num cruzeiro anterior, a cabine era interna e receei, num primeiro momento, sofrer de claustrofobia ou qualquer outra sensação desagradável, mas nada disso aconteceu; foi ótimo.

Em outros navios, tenho visto cabines externas, com pequenas sacadas onde as pessoas podem sentar e observar o mar. Essas devem ser as melhores, mas são as mais caras. Os preços variam de acordo com o tamanho e o tipo da cabine, se externa ou interna, com sacada ou não, e também conforme o andar _ é muito variável, para diferentes bolsos e gostos. Realizar o sonho de um cruzeiro marítimo deixou de ser permitido apenas a alguns abonados; com alguma organização no orçamento doméstico, cada vez mais pessoas se permitem vivê-lo.

O interior do navio é requintado, as escadas com corrimão em bronze, diferentes forrações de tapete para cada andar, três restaurantes, teatro, vários bares, cybercafe, biblioteca, sala do piano e de recreação infantil, com monitoras. São doze andares, com três elevadores. Na parte externa, o ambiente da piscina ocupa um grande espaço, pois será local de muitas festas e brincadeiras.

Tendo feito duas outras viagens marítimas, a maior com duração de uma semana, estou preparada mentalmente para mudanças, nesta que atravessará o Atlântico.

Amigos perguntavam, antes da partida, se eu não receava me aborrecer, em alto-mar. Engraçado, nem cogitei disso. Carrego comigo o meu mundo, estou acostumada a me recolher dentro de mim mesma. Quando o exterior não apresenta interesse, retiro-me para o meu próprio interior e lá me distraio, esmiuçando sensações, despertando lembranças, tentando descobrir o porquê de cada situação mal vivenciada. Aborreço-me, sim, em certos ambientes; nunca na solidão. Eu e ela nos entendemos. Além do mais, estou em ótima companhia, e isso faz toda a diferença.

Na saída de Lisboa, o navio apita três vezes, de forma prolongada e triste. A senhora brasileira ao meu lado liga no celular para a filha e avisa que estamos passando em frente ao seu edifício. Muitos automóveis, estacionados ao longo do porto, acendem e apagam os faróis, em despedida; depois, acompanham o navio até vê-lo se afastar, altaneiro. Lisboa fica para trás e começa a viagem de retorno ao Brasil

A maioria dos mil quatrocentos e vinte oito passageiros é de nacionalidade inglesa, cerca de duzentos e quarenta portugueses, cento e cinqüenta brasileiros, trinta argentinos e seis bolivianos _ uma população heterogênea, que aprenderá a conviver e a se respeitar, durante os dezessete dias que comporão a travessia do Atlântico, numa navegação de 4.649 milhas náuticas (8.601 km), passando em oito portos.

A tripulação é composta por quinhentos e setenta e cinco pessoas, muitos jovens ingleses e brasileiros _ no atendimento nos bares e restaurantes e no setor de diversão _ além de romenos e filipinos, esses geralmente como camareiros e em serviços de limpeza e conservação. Há muitas moças brasileiras, estagiárias da área de turismo, e tal fato gera uma situação inusitada.

Como são universitárias, educadas, bem-apessoadas, logo as turistas brasileiras e portuguesas interagem com elas, perguntando sobre a sua situação, como conseguiram o emprego, se estão gostando e qual o seu ordenado _ perguntas íntimas nada usuais. Já na primeira semana, fico sabendo, através dos comentários que correm soltos, nesta população ociosa e ávida por novidades, que as jovens estão muito cansadas, extenuadas mesmo, com o ritmo de trabalho a bordo. Talvez imaginassem um emprego sofisticado e encontraram um trabalho árduo, horas ininterruptas de atividades variadas.

A ala masculina não se queixa, mas o cansaço transparece em seus rostos, quando os vemos convidando às senhoras desacompanhadas para dançarem, à noite, na pista de danças, após participarem dos espetáculos musicais, no teatro. Pela manhã, serão vistos à beira da piscina, ensinando os ritmos brasileiros aos ingleses e portugueses. O seu dia é uma roda viva de entretenimentos diversos, necessitando se mostrar sempre alegres e simpáticos. Uma canseira, com certeza.

Durante os dois dias de navegação contínua, antes de aportar em Funchal, na Ilha da Madeira, os passageiros têm distração para todos os gostos. Nas manhãs ensolaradas deste cruzeiro que só encontrará tempo bom, alguns simplesmente se expõem ao sol, enquanto outros lêem, estendidos nas cadeiras preguiçosas distribuídas ao ar livre pelos vários andares. Preocupados com o encontro com a balança, no retorno, muitos caminham.

No deck, é permitido o topless. Curiosos, passamos lá, na nossa caminhada, para conhecer as corajosas. A exposição é extremamente familiar: senhoras de pele alva, além da meia idade, mostram os seios, serenamente sentadas ao lado dos maridos a lerem os seus jornais. Cultura bem diferente da brasileira, logo compreendo.

O navio singra tranqüilo o oceano imenso, somente água até onde o olhar alcance. Agora já me rendi ao desejo de colocar no papel as minhas impressões e escrevo, sempre que tenho um tempo livre no meio das programações.

Um comentário:

Anônimo disse...

Marta!
Estou voltando contigo deste belo passeio.Quando puder viajar, criar coragem, será um deja-vu - muito obrigado!Apreciarei melhor, porque não irei "crua", sem nada saber!

Ruthe