No início da era da informática, o marido sendo um pioneiro no assunto e os filhos adolescentes já bem enfronhados, a desenquadrada e ignorante era eu. Mas, de tanto ouvir certos termos, familiarizei-me com eles. Embora sem saber o seu significado, sabia onde usa-los. Então, por pura diversão, certo dia, à hora do almoço, entrei no assunto, com a maior desenvoltura. Para acrescentar maior veracidade à intrusão na conversa de alto nível, dei-me ao trabalho de passar os olhos pelas revistas sobre eletrônica esparramadas pela casa, recolhendo a nomenclatura técnica. A expressão de espanto da ala masculina valeu o esforço, ainda que eu pouco tenha resistido à gostosa gargalhada, logo seguida pela deles, quando se compreenderam ludibriados.
Passado algum tempo, tive outra idéia. Pedi ao filho que me ensinasse o básico para ligar o computador e fiz eu mesma uma receita, passo a passo, assim como quem faz receita para bolo. Naquela época, não bastava apertar um botão e esperar um segundo para a tela aparecer, como hoje ocorre; a parafernália exigia um ritual de iniciação. Quando ouvi o barulho do marido chegando a casa, corri e sentei em frente ao computador, seguindo o roteiro da tal receita. Ele entrou, me encontrou muito compenetrada dedilhando as teclas com estudada naturalidade, teve um instante de feliz surpresa, suficiente para perceber que ali acabavam os escassos conhecimentos; percebeu que ainda não fora dessa vez.
Tudo isso ocorria, na verdade, porque o universo da computação me intimidava, por julgá-lo demasiado complexo para a minha cabeça, nada técnica. Até que um dia aceitei o cargo de secretária na diretoria de uma entidade filantrópica. Aceitei de modo afoito, crente que a minha função seria fazer as atas. Não era: fui designada para elaborar os ofícios de agradecimentos e outros, em grande quantidade. Na maior atenção, inutilizava folhas e folhas datilografadas, por errar um algarismo ou uma letra. Após encher várias cestas de papéis, a teimosia se rendeu à tecnologia e concordei em aderir à informática, ainda que desconfiada da minha capacidade de assimilação. A linguagem utilizada na época era o DOS, bastante complicada, mesmo assim conseguia fazer o necessário, graças aos professores em casa. Logo surgiu o Windows, a internet e os programas inteligentes e tudo ficou mais fácil.
Para treinar a digitação, comecei copiando as receitas culinárias preferidas, que ameaçavam se perder, guardadas num livro que já principiava a ficar roto, por muito manuseado. Depois, reuni vários dados genealógicos, achados na Bíblia da família e recolhidos aqui e ali. Mas foi quando entrei na Oficina Literária que descobri a importância do computador. Além de poder modificar várias vezes cada parágrafo, alterar a ordem, puxar um lá debaixo, porque ficava melhor no início do conto, ainda contava com a ajuda do revisor de texto, apontando em vermelho os lapsos e a ignorância. Sem o uso da informática, jamais teria conseguido publicar meus livros, como depois ocorreu.
Daí a razão da insistência para que todos se permitam entrar nesse mundo novo: sabe-se lá o que cada um pode estar perdendo. No afã de convencer, cheguei ao extremo de publicar a crônica “Os novos analfabetos”. Amigos disseram que peguei pesado, atingi no fígado, por isso entraram no curso e compraram o computador. Sempre que recebo um primeiro e-mail, compreendo que o monstro da informática foi mais uma vez desmistificado.
É natural o receio das pessoas mais velhas de não conseguirem assimilar os novos conhecimentos e tecnologias. Somos a geração anterior ao controle remoto, esse estranho objeto que se multiplica na mesinha da sala e nunca é o pretendido. Mas, do nosso jeito, sem demasiada pressão, chegamos lá.
É preciso levar em conta que as realidades e os interesses são diferentes. Alguns desejarão só trocar e-mails e mensagens com os amigos, outros com os filhos e netos distantes, alguns se aventurarão no SKYPE, falando via computador, sem precisar escrever. Muitos descobrirão as notícias do mundo ao seu alcance. Inúmeros, como eu, não acharão tempo nem paciência para desvendar todos esses mistérios, mais interessados em cutucar o seu próprio universo interior, transformando as suas experiências em contos ou crônicas. Mesmo nós, contudo, teremos sorte, se à nossa volta houver desbravadores, convencendo-nos da facilidade proporcionada por novas tecnologias.
São universidades, hotéis, aeroportos, restaurantes e bares se adaptando para liberar o acesso gratuito à internet. Experiências são realizadas, em pequenas cidades, para popularizar o conhecimento. Em algumas, as pessoas já podem acessar a internet sentadas em bancos de praças ou atiradas sobre a grama dos parques, em notebooks cada vez menores. É a última informação ao alcance da mão. É o trem da informática que passa, correndo. Ou subimos logo, ou fazemos como eu no início desta história, quando pensava me divertir, sem saber que perdia o melhor da brincadeira.
3 comentários:
Comparo os usuários de computadores aos dos automóveis.
Alguns o utilizam com ferramenta de trabalho, mas nem querem saber o que tem dentro ou como funciona.
Outros, compras revistas e vivem procurando saber mais. É como se fosse um hobby. Outros, ficam no meio disso.
Agora, com os novos lançamentos como o WiMax (ver meu blog www.simeaogomes.blogspot.com)creio que poderemos levar uma internet rapidíssima para as fazendas.
Obs.: no teu artigo, deves trocar skipe por SKYPE.
Abs e que melhores e voltes breve - Simeão
A dificuldades em se familiarizar com a informática foi unisex. Muitos escritores consagrados relatam isso. e o processo é idêntico ao final: víamos que estavamos com medo do nada e perdendo muito com isso. Com o advento da internet então, foi como uma mágica, uma maravilha jamais presenciada.
Marta!
Considero a Internet a Oitava Maravilha!
Realmente não sei como vivia sem ela. Aconteço e aconteço todos os dias, descobrindo novas maravilhas e me dando maior conforto no viver do dia a dia!
Louca de saudades, envio beijos
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