16 de set. de 2006

Repensar a vida

- “Certas coisas acontecem para nos fazer repensar a vida” – alguém falou, sem que eu contestasse, para não esticar o assunto. Depois, fiquei pensando que, a essa altura, a minha já está mais que repensada. “Não se passa pela vida em brancas nuvens”, e é bom que assim seja.

Até os trinta e cinco anos, mais ou menos, às vezes desconfiava da minha sanidade mental. Enquanto, nas revistas, mulheres insatisfeitas se queixavam de inúmeros problemas existenciais, eu era absurdamente feliz. Verdade que vivia no campo, com o marido e dois filhos pequenos. Quando escurecia e o gerador de luz era acionado, permitindo olhar a TV preto e branco de 14 polegadas, os problemas nacionais perdiam em interesse para a realidade: os colchões dos funcionários que precisavam ser revisados; os leitões no ponto de abate; as orquídeas florescidas no mato próximo a casa; as brincadeiras das crianças; os seus trabalhos escolares, realizados sob a minha orientação, com o intuito de retardar a ida para a pré-escola e a conseqüente mudança para a cidade.

Vindo da cozinha, o ruído da desnatadeira do leite às vezes se misturava com o da batedeira, preparando a manteiga. Quando resolvia ir olhar o serviço, descobria que aquele fio de lã pedido pelo caçula, com cara de inocente, tinha o intuito de amarrar uma cadeira na outra, portanto estávamos todos presos dentro do círculo. A liberdade dependia de romper o fio ou apenas erguer a perna e passar por cima, o que o deixava menos desapontado.

Ali pelos trinta cinco anos, profundos questionamentos abalaram os meus alicerces. Lendo “Passagens - Crises previsíveis da idade adulta”, de Gail Sheehy, concluí que a causa devia ser a recente morte de minha mãe. Mas o melhor foi a libertação proporcionada pelo simples entender.

Por isso achei engraçado, quando alguém falou que certas fases são boas, porque obrigam a repensar. Se pensar mais, vai azedar.

No cenário globalizado e consumista dos nossos dias, a felicidade é artigo em falta nas prateleiras. Algumas mulheres, raras, podem estar felizes e por isso se julgarem alienadas. É bom aproveitar, enquanto é possível. As ondas vão e vem, ora trazem alegria, ora sofrimento; não há como escapar. Mas a tristeza tem pressa de ir embora, se a gente não lhe dá achego demasiado. A felicidade, ao contrário, se instala, quando se valoriza as pessoas e as coisas certas. Também quando se guarda boas lembranças de alguém que partiu, sem querer nos deixar.

Outras mulheres vivenciam com dificuldade as diferentes fases da vida: morte de alguém querido, divórcio, perda de um amor, desilusão com um amigo, filhos que não correspondem às expectativas, falta de alguém com quem conversar. Machucam os nós dos dedos, dando socos no muro de pedra; rebelam-se contra o ciclo da vida, como se adiantasse.

Seria mais fácil, se entendessm a simplicidade do mecanismo: é como um fio de linha que se puxa até desprender o botão. Quando ele cai, a gente entende que não tem jeito: é pegar agulha e linha e costurar.

4 comentários:

Blog do Simeão disse...

Há quem não goste de pregar botões, outros o fazem a máquina (aqueles que se despregam quando puxamos uma ponta da linha) e os tradicionais feitos com agulha a mão, que não se desfazem a não ser que rebente.
Mas a vida também mostra diferentes passagens e escolhas. Teus escritos fazem tanta gente pensar... Trazem ensinamentos e podem disseminar alegrias.
Abs - que voltes logo.

Blog do Simeão disse...

Marta, como sempre, gostei muito do teu artigo.
Realmente avida nos ensinou a valorizar peouenos e simples momentos e destes recordamos com saudades pois a felicidade para mim é isto, deletar o que de ruim nos acontece e valorizar o bom. O dia de ontem passou o de hoje vive-lo dá melhor forma possível e o amanhã a Deus pertençe e acreditar que para Deus tudo e possível basta que eu me entreogue e acredite. Tenho certeza oue a costura será perfeita.

Blog do Simeão disse...

Marta entrei no blog do Simeão e esqueci de assinar meu nome, como deves ter notado o segundo comentario é meu. Estou com saudades de voces.
Bjos. Dirce

Anônimo disse...

Marta!
Comecei a repensar a vida, quando faleceu meu pai. Antes tudo era lindo, sem problemas, como um extenso e belo campo florido. Fiquei bem mais atenta aos problemas, que talvez não os visse antes, mas que já existiam. Acredito que quando vivenciamos cada etapa de nossa vida de correta maneira, não precisaremos repensar muito o que passou, e do futuro, nada sabemos.
Teu artigo é comovedor.
Beijos