De repente, alguém nos lança um olhar crítico e fala com voz seca: Você mudou – como quem acusa um crime. O quê? É proibido mudar? A gente passa por mil coisas, fracassa e triunfa, trai e é traído, recebe apoio de quem jamais esperava e é mal-interpretado por quem deveria nos conhecer bem. Depois de todas essas peripécias, deve permanecer o mesmo, para agradar à turma?
Só se fôssemos feitos do material de um relógio Cássio que uma amiga comprou, retirou do pulso, colocou no bolso do roupão e esse, distraída, largou dentro da máquina de lavar roupas. Terminadas as operações de lavar e centrifugar, deu pela falta do relógio e compreendeu a aventura que lhe proporcionara. “Perdida por um, perdida por mil”, pensou, ao decidir colocá-lo na secadora, ainda no bolso do roupão. O relógio saiu intacto de todo o processo. Vá fazer isso com o ser humano, para ver no que dá.
A vida nos submete a diversos testes de controle de qualidade. Aleatoriamente, somos comprimidos, reprimidos, apertados, sufocados, puxados pra trás, levados por diante. Só que dificilmente saímos ilesos de certas experiências. Por isso, quando alguém cobra: Você mudou, _ a gente se sente diminuído, como máquina com fraco desempenho.
Mudanças drásticas podem causar desconforto e afastamento. Estradas se bifurcam, quando a não aceitação das mudanças causa rupturas. Pessoas podem mudar juntas e se auxiliarem mutuamente no enfrentamento do desconhecido, ou se perderem sem retorno, quando uma se deixa ficar pra trás, presa ao passado.
As vivências se transformam em aprendizagens e essas provocam mudanças. Se já nos faltou dinheiro para comprar um par de sapatos, uma passagem de ônibus ou para pagar a conta da luz, compreendemos melhor as dificuldades financeiras dos outros. Se um dia conhecemos a fome, a fome alheia também dói no nosso estômago. Quando uma tragédia nos atinge e somos confortados com a solidariedade de amigos e estranhos, aprendemos a ser mais solidários. Se nos falta a solidariedade esperada, também aprendemos.
Algumas mudanças acontecem ao sabor da nossa vontade, outras à revelia, como ganhos e perdas imprevistos. Casais se separam ou se encontram, amigos se descobrem ou se estranham, sócios começam ou terminam sociedades; tudo se acomoda, após o momento de espanto.
Como não sofrer mutações? Como permanecermos as criaturas descuidadas e inocentes de antes, agora que temos consciência de que tudo pode mudar, num segundo?
As surpresas da vida mudam os nossos conceitos, fazendo-nos mais abertos e flexíveis, à medida que nos tornamos receptivos às suas lições. O nosso mundo vira de cabeça para baixo, as engrenagens emperram, os ponteiros entortam. Lá vamos nós, com o maior cuidado, restaurar a máquina danificada. Para que novamente funcione a contento ou, se isso não for possível, que pelo menos siga batendo no seu próprio ritmo. E quando ela volta a funcionar, ainda que não seja bem o esperado, descobrimos novo encanto no seu descompasso. Por isso seguimos aparafusando relacionamentos deteriorados, corações partidos e corpos destroçados. Sem cobranças.
2 comentários:
Marta,
Achei bárbaro...Como sempre, nos identificamos com algum trecho das tuas crônicas!
Bj,
Cris
Marta!
Não é fácil viver, nem conviver, sempre digo. Impossível, não mudar, com tudo o que nos acontece ao redor.À cada dia que vivemos, acontece uma transformação em nossa vida, porque participamos, dos pontos e contrapontos nossos e do próximo, que amamos como a nós mesmos.
Cobranças? Nem pensar!
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