Parte do trigésimo andar do prédio ficou em chamas, quando o pequeno avião, desgovernado, se chocou contra ele. Aconteceu na ilha de Manhattan, em Nova York, em outubro de 2006. Morreram duas pessoas, segundo os noticiários, e outras sofreram ferimentos.
A cena chocante apareceu na TV. Eu a vi num quarto de hospital, durante o tratamento de quimioterapia a que estava sendo submetida. Se, na véspera, qualquer daquelas pessoas fosse questionada sobre a possibilidade de trocar de lugar comigo, é provável que a resposta fosse um categórico “não”. Contudo, se imaginassem o que as esperava, com certeza mudariam de idéia com a maior rapidez.
Pouco antes de ir para o hospital, havia retornado os recados deixados por uma pessoa desconhecida, na secretária eletrônica. Por se tratar de um convite, ela não estava entendendo a minha recusa. Para encurtar o assunto, expliquei que não seria possível, pois no dia previsto estaria me submetendo à quimioterapia. Considerei normal o silêncio que se fez do outro lado da linha; em geral, as pessoas têm dificuldade em falar sobre câncer. Mas, passado o impacto inicial, quem ficou surpresa fui eu, pois a desconhecida começou a fazer uma série de perguntas, parecendo extremamente emocionada.
Respondi ao questionário, com naturalidade, por compreender que devia ter sua razão de ser. Com efeito, satisfeita a curiosidade, ela explicou, arrasada, que estava lembrando de sua irmã, a qual simplesmente desistira da luta e se deixara morrer, recusando-se a fazer o tratamento adequado.
Também lembrei dela, quando vi a cena do avião na TV. Ninguém sabe o que lhe reserva o futuro, qualquer de nós pode já ter a sentença decretada, sem ter disso a menor desconfiança. Acidentes inesperados acontecem todos os dias: quem imaginaria que um avião pudesse entrar pela janela do seu apartamento? Também pessoas de aparência saudável recebem diagnósticos definitivos, enquanto outras completam os tratamentos médicos, com sucesso. A cura pode estar na última pesquisa ou na medicação recém descoberta, não é possível prever.
Se nos conscientizarmos dessa realidade, poderemos encarar com mais serenidade as doenças desse tipo, passar a falar palavras como “câncer”, “tumor”, “sarcoma”, evitadas como se fossem contagiosas.
Naturalidade não é viver assustado, inventando sintomas inexistentes, à espera de uma tragédia. É aceitar a nossa humanidade, o fim certo de todas as coisas, sem amargura ou revolta, com o propósito de colocar qualidade no tempo que tivermos.
Grande parte das pessoas, tomadas de pânico, preferem ignorar os avisos que o corpo envia, como se, ignorando-os, eles pudessem desaparecer. Ignorados, os males crescem, até se tornar desnecessário o reconhecimento, tarde demais para qualquer atitude.
Quando tratarmos essas situações com naturalidade, as pessoas se sentirão à vontade para procurar ajuda médica com rapidez, caso sintam alguma dor ou notem algo estranho em seu organismo. Talvez, dessa forma, deixem de se repetir histórias como a da moça desconhecida, que desistiu da luta que poderia vencer. E cada um de nós, consciente da precariedade de tudo, aprenderá a valorizar o momento presente, o único que nos pertence.
4 comentários:
Marta!
Republiquei esse artigo. Veja:
http://www.clubeletras.net/blogapm/
SL
Sérgio
Marta, a tua cabeça é como a minha, são cabeças de pessoas que são bem resolvidas na vida, positiva, fatalistas, analisadas ou não, mas penso que estão certíssimas. A vida é muito difícil de ser vivida e sempre digo que para viver com qualidade de vida, é preciso ter ¨competência¨. Isto é o que tens. Parabens e um grande beijo da amiga e mãe postiça
Querida Marta!
Continuo com medo desta palavra que nem ouso escrever. Gostaria muito de pensar e sentir diferente- ah! Como gostaria!Sofro muito!
Sei que existem coisas piores, mas destas também tenho medo!Concluindo: sou uma medrosa militante!!!
Adoro, amo e admiro teu modo de ser. Vou ler muitas e muitas vezes esta crõnica, e quem sabe, cresço e aceito a realidade com otimismo.
Beijos mil
intiresno muito, obrigado
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