O cavalo caminhava no interior do mato de eucaliptos, um que outro inseto esvoaçava, uma mutuca importuna voltou a pousar no pescoço do animal; o relho estalou no ar, espantando-a. Três ovelhas fugiram, assustadas com a intromissão. Os cascos do cavalo pisoteavam as folhas secas, depois entraram na pequena sanga, produzindo um som de chap-chap; a água fez um barulho como se estivesse sendo sugada com um desentupidor, quando ele baixou a cabeça e bebeu com sofreguidão. Os ruídos conhecidos se misturavam com o cheiro inebriante dos eucaliptos.
O cavalo andou mais um pouco e desembocamos numa grande clareira. De repente, o mundo parou. Aquele foi o silêncio mais profundo e completo de que tenho lembrança.
O jovem disse que não gosta do silêncio, fica aflito com ele. Muita gente entra em casa e logo liga a televisão, ouve música enquanto estuda, produz vários sons ao mesmo tempo. Pessoas falam, falam, com receio de deixar alguma brecha na conversação. É possível camuflar os sentimentos, através da fala, já o silêncio é revelador. Por isso mete medo. O que será que esconde? E a gente assobia ou cantarola no escuro da casa silenciosa, para mostrar que dirigimos o espetáculo, estamos presentes, não se metam conosco.
O silêncio tem várias facetas. Pode ser sinônimo de depressão, ansiedade, isolamento social. Há silêncios opressores, quando nos cobram uma resposta que está além das nossas forças; amargos, quando ficamos a sós com a nossa derrota; incômodos, como aqueles dos elevadores e das salas de espera; ressentidos, sempre acompanhados de olhares rancorosos. Há silêncios vazios - e esses são os piores - quando sobram as perguntas, mas já ninguém responde.
Ao contrário, silêncio compartilhado é forma generosa de amor ou amizade, aceitação do outro. Permissão para que se afaste, percorra os caminhos sombrios do seu interior, depois volte para a claridade do encontro, por livre escolha.
Ficar quieto, em silêncio, pode parecer perda de tempo e coisa de gente desocupada, por isso muitos se aborrecem, quando ele se estende. Nessas circunstâncias, é comum as pessoas se apressarem a preenchê-lo com o primeiro assunto que vem à cabeça, só para fugirem da situação incômoda. Em sessões de terapia, alguns julgam que o horário não foi bem aproveitado, se não foi preenchido com falas. Às vezes até trocam de terapeuta, descontentes.
Para apreciar o silêncio, não precisamos nos enfronhar no mato, nem procurar praias desertas, a condição é que estejamos em paz com nós mesmos. Porque na quietude se fazem fortes as vozes internas, nem sempre apaziguadoras.
No entanto, quando aceito, o silêncio é criador. Após o primeiro impacto, as idéias fluem férteis e encontram o seu espaço no quebra-cabeças das nossas emoções. Mas é preciso ouvi-lo e deixar que faça o seu trabalho, sem pressioná-lo com a expectativa de coisas que aguardam a nossa atenção. Usufruir do silêncio é se entregar sem medo, deixando que nos possua, vire do avesso, aponte os deslizes, cobre as omissões. Depois dessa entrega total, abastecidos e renovados, estaremos prontos para o diálogo.
2 comentários:
Marta!
Sabes, Marta? Preciso tanto do barulho como do silêncio. Ambos me fazem bem, dependendo do meu estado de ânimo. Quieta, em casa, ponho meus pensamentos e sentimentos em dia, mas nada de stress ou depressão, apenas eu comigo...Com pessoas amigas ou apenas com uma só,me renovo, cresço!
Beijos e apertões
Marta, também o assunto silêncio me agradou como os outros. No meu caso, adoro o silêncio e os momentos em que fico só comigo mesma; gosto de mim, deve ser por isto ou, talvez, porque vivo em terrível agitação e quando fico só e paro, sinto necessidade de calmaria, não sei bem qual será a razão real.
Noto em mim mudança grande com a morte da Anita, penso que perdi todos os meus medos. Lembro que antigamente entrava em casa e ligava a televisão, justamente como dizes, para não ouvir o SILÊNCIO. Hoje estou diferente.
Um beijão com saudades.
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